Autor: construtora

  • Os Desafios do Gerente Jurídico Empresarial

    Os Desafios do Gerente Jurídico Empresarial

    Logo na primeira reunião com o acionista majoritário da companhia, devidamente acompanhado do presidente e CEO da mesma, recebi minha primeira e “única” instrução para bem desempenhar meu labor como gerente jurídico: “Não atravanque os processos da minha empresa. Detesto advogado que engessa empresa”.

    Restou claro, de imediato, que a função a ser desempenhada não era essencialmente técnica, repleta de retórica e palavras incompreensíveis ao cotidiano da maioria das pessoas. Era necessário conhecer, rapidamente, o core business da empresa e se envolver com os departamentos da mesma.

    Ao invés da preocupação com prazos judiciais, tornou-se mais importante o dia a dia com os stakeholders da companhia. Inteirar-se de todos os assuntos que seriam determinantes para um bom desempenho jurídico.

    Não era mais imperioso inferir questões técnicas, elaborar teses argumentativas, mas sim, pensar como empresário.

    Aguardar até o último dia para cumprimento de prazos judiciais deixava de ser uma técnica de fundamental importância. A companhia e seus colaboradores precisavam de celeridade e eficiência para que o resultado final fosse de excelência.

    Que mudança radical!

    Nem tanto. É bem verdade que há tempos o desempenho da função de advogado estava circunscrita a ajuizamentos e defesas judiciais e administrativas; prevenção de litígios e consultoria. Hoje, todavia, principalmente dentro de empresas, a advocacia requer habilidades que vão muito além do conhecimento único e exclusivo do próprio Direito.

    Assim sendo, mister listarmos alguns desafios que um gerente jurídico empresarial deverá enfrentar para se manter no exercício de sua função e alçar novos vôos no circuito empresarial.

    O primeiro grande desafio a ser enfrentado pelo profissional que exercerá a função de gerente jurídico é, sem dúvida, buscar e/ou aprimorar conhecimento acerca de gestão empresarial. Isto porque, os advogados não possuem em sua formação básica, adquirida nas faculdades de Direito, tal habilidade administrativa e nem se importam, inicialmente, com isso. Portanto, é fundamentalmente relevante para o advogado corporativo adquirir novas habilidades, pois, indubitavelmente, serão exigidas no decorrer de sua carreira empresarial.

    Em segundo lugar, o gerente jurídico deve compreender o negócio da empresa e entender que o departamento pelo qual é responsável é, tão somente, uma atividade-meio capacitadora para que a atividade-fim da empresa seja exitosa. Assim, não basta que o gerente jurídico resolva problemas, mas sim, tome as ações necessárias para evitá-los, bem como, esteja incessantemente antenado às novas oportunidades de negócios.

    Outro óbice à atuação do departamento jurídico, por vezes detectado no ambiente empresarial, é o preconceito com a figura do advogado, que é visto, diuturnamente, como um obstáculo para realização de negócios. É tido como responsável pelo tal “engessamento” de processos dentro da empresa. O gestor jurídico tem de suplantar esse estigma através de uma boa comunicação e amplo entendimento do negócio. Agindo de maneira estratégica, proativa e inovadora, poderá contribuir, decisivamente, na tomada de decisões e no planejamento global dos negócios.

    Tópico de extrema relevância para o gerente jurídico é o resultado. Tanto quanto as demais áreas da empresa, o jurídico deve contribuir com resultados positivos, sob pena de tornar-se inoperante.

    Nesse ponto é que a tecnologia de informação (TI) se faz extremamente importante como auxiliadora e facilitadora do departamento jurídico. Isto porque, a TI implementará ferramentas que poderão, efetivamente, auxiliar no mapeamento dos processos internos do setor jurídico da empresa. Tais ferramentas oferecerão respostas rápidas, seguras e confiáveis, ajudando a interligar matrizes e filiais. Garantirão a gestão de informações em tempo real e de forma precisa.

    Para garantir bons resultados é fundamental que o gerente jurídico demonstre e convença os diretores, CEO e acionistas da empresa que o departamento jurídico não é um mero centro de custos, mas sim, um fundamental setor de suporte interno para a tomada das grandes decisões da companhia.

    Na medida em que trabalha para evitar que maus negócios sejam realizados, que haja perda de valores desnecessária e que patrocina causas para retomada de valores pagos indevidamente, resta claro que o departamento jurídico colabora não só indiretamente, mas diretamente para a lucratividade da empresa.

    Existem, por óbvio, muitos outros desafios que o gerente jurídico empresarial deverá enfrentar no dia a dia da companhia, sendo certo que, a partir do momento que tal gestor aprende a enxergar a situação na condição de parte integrante da empresa, além de se colocar no lugar do seu cliente interno, ele terá mais argumentos e compreenderá efetivamente como ajudar.

    Assim sendo, você que pretende gerir um departamento jurídico, pense como se fosse o dono da empresa. Tenha em mente a extensão das decisões jurídicas dentro da operação da companhia. Gerentes jurídicos realmente não podem engessar os processos, mas devem ser facilitadores que auxiliam stakeholderseficazmente.

  • A desconsideração da personalidade jurídica como um golpe letal ao Direito Empresarial

    A desconsideração da personalidade jurídica como um golpe letal ao Direito Empresarial

    Tão reprovável quanto o abuso cometido pelo sócio ou administrador de uma empresa é o abuso praticado pelo Judiciário. Em outras palavras, não se vislumbra mais justiça numa decisão judicial quando ela se afasta do texto legal.

    Quando as pessoas resolvem constituir uma empresa elas o fazem por diversos motivos, sendo que um dos mais importantes é a separação do seu patrimônio pessoal daquele da empresa. O sujeito pode ter um capital disponível que pretende investir num empreendimento, mas, em vista dos riscos inerentes a qualquer negócio, não deseja aplicar na empresa tudo o que já conquistou ao longo da vida.

    As modalidades de constituição de sociedades empresárias estão juridicamente estabelecidas pelo Código Civil, em seus artigos 1.039 a 1.092”. E dentre os tipos societários, encontra-se a mais comum, que é a sociedade limitada (arts. 1.052 a 1.087), pela qual a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas de capital social, pelas dívidas contraídas pela empresa perante os seus credores.

    Pontua Fábio Ulhoa Coelho:

    “Da personalização das sociedades empresárias decorre o princípio da autonomia patrimonial, que é um dos elementos fundamentais do direito societário. Em razão desse princípio, os sócios não respondem, em regra pelas obrigações da sociedade”. (p. 16)

    A personalização da sociedade limitada implica a separação patrimonial entre a pessoa jurídica e seus membros. Sócio e sociedade são sujeitos distintos, com seus próprios direitos e deveres. As obrigações de um, portanto, não se podem imputar ao outro. Desse modo, a regra é a da irresponsabilidade dos sócios da sociedade limitada pelas dívidas sociais. Isto é, os sócios respondem apenas pelo valor das quotas com que se comprometeram, no contrato social (CC, art. 1.052). É esse o limite de sua responsabilidade”. (COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: direito de empresa. São Paulo: Saraiva, 2010. 2 v., p. 413)

    Almeja o Direito Empresarial visa garantir ao empresário que, operando sob essa modalidade empresarial, se as coisas derem errado com a empresa, ele possa manter reservado os bens pessoais ou particulares, isentos do prejuízo alcançado pela sociedade empresária e, dessa forma, incentiva as pessoas a empreenderem, haja vista a importância na economia e a função social que as empresas têm.

    “A partir da afirmação do postulado jurídico de que o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade, motivam-se investidores e empreendedores a aplicar dinheiro em atividades econômicas de maior envergadura e risco. Se não existisse o princípio da separação patrimonial, os insucessos na exploração da empresa poderiam significar a perda de todos os bens particulares dos sócios, amealhados ao longo do trabalho de uma vida ou mesmo de gerações, e, nesse quadro, menos pessoas se sentiriam estimuladas a desenvolver novas atividades empresariais. No final, o potencial econômico do País não estaria eficientemente otimizado, e as pessoas em geral ficariam prejudicadas, tendo menos acesso a bens e serviços.” (COELHO, 2010, p. 16)

    Ocorre que, violentando tudo isso, surge o instituto da desconsideração da personalidade jurídica que, em certos casos, autorizado indevidamente por decisão judicial, rompe a proteção do patrimônio pessoal do sócio.

    A teoria citada, embora sejam encontrados resquícios seus no Direito Romano, teve sua gênese na Inglaterra e, das suas repercussões, deu origem à doutrina da Disregard of legal entity principalmente evocada nos Estados Unidos. Já no Brasil, atribui-se ao Prof. Rubens Requião tê-la abordado como precursor numa conferência intitulada “Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica”, realizada na Universidade Federal do Paraná em 1969.

    Mas o que ensejou a origem e a manteve a desconsideração da personalidade jurídica como um instituto presente no universo jurídico foi o desvirtuamento do instituto da pessoa jurídica, provocado quando o sócio ou o empresário procede com fraude ou abuso de direito, cometidos por meio da personalidade da sociedade.

    É bem verdade que o referido instituto encontra previsão legal tanto no Código Civil, quanto no Código do Consumidor e, mais remotamente, no art. 4º da Lei nº 9.605/98 (que dispõe sobre as atividades lesivas ao meio ambiente). Não é o propósito desta reflexão dissertar sobre as hipóteses de cabimento da desconsideração da personalidade jurídica (desvio de finalidade, confusão patrimonial, fraude contra consumidores e tantas outras, tão amplamente difundidas pela doutrina e jurisprudência), mas tão somente apontar que a desconsideração da personalidade jurídica deve ter natureza excepcional, pois não se justifica o afastamento da autonomia patrimonial simplesmente toda vez que um credor não conseguir satisfazer o seu crédito; sendo mister que tenha havido indevida utilização da pessoa jurídica ou fragrante ocorrência das hipóteses que a autorizam.

    Observa-se, a título exemplificativo (e não taxativo), principalmente nas decisões do âmbito da Justiça do Trabalho uma verdadeira práxis jurídica de decretar a desconsideração indiscriminadamente, toda vez que não se encontra patrimônio suficiente na empresa para quitar os débitos com seus empregados e até com os impostos relacionados aos vínculos de emprego (INSS, IR, etc.). Parece estar arraigada na seara trabalhista uma construção jurisprudencial tendenciosa a superproteger o trabalhador em detrimento da autonomia e da limitação de responsabilidade igualmente albergados pelo Direito em proteção do sócio, do empresário e do fomento ao desenvolvimento social e econômico do país.

    Em alguns foros, chega-se ao absurdo de mencionar, de ofício, logo no despacho de intimação para pagamento da execução trabalhista, que a empresa reclamada deve cumprir a sentença condenatória sob pena de, por isso só, ser desconsiderada a sua personalidade jurídica.

    Esse tipo de decisão judicial configura, inclusive, um ato que extrapola o poder do Judiciário, haja vista que, em homenagem à teoria da tripartição dos poderes (de Montesquieu), não cabe ao juiz decidir ultra legis.

    Ainda que, apesar das divergências, possa ser considerado o crédito trabalhista privilegiado ao ponto de justificar o sacrifício do Direito Empresarial, incumbiria ao legislador aprovar norma específica para isso, o que, em verdade, ainda não existe. Como dito alhures, as decisões trabalhistas são embasadas apenas em entendimento jurisprudencial consolidado que aplica, por analogia, a parte da legislação civil e consumerista que lhe serve para sustentar a tese, mas ignora (indevidamente) a parte condicional da mesma legislação.

    No processo do trabalho, algumas decisões judiciais invocam, quando se comprova a relação de emprego, por analogia o artigo 28, § 5º do CDC, cujo fundamento está no Princípio da Igualdade Substancial, que é base, tanto da CLT quanto do CDC, pelo qual se deve aplicar uma norma jurídica protetiva a uma parte, em função da sua hipossuficiência existente no plano dos fatos, pois se presume que o empregado é hipossuficiente frente ao empregador, como o consumidor o é em relação ao fornecedor.

    CDC. Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

    Já quando não se constata vínculo empregatício, mas sim prestação de serviço (ex.: trabalhador avulso ou autônomo), adota-se o art. 50, CC e 28, CDC.

    Código Civil. Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

    Mas ictu oculi que, ambos os dispositivos, só autorizam a desconsideração em determinadas situações e não simplesmente em face da insuficiência patrimonial ou inadimplência da dívida trabalhista.

    Já uma outra corrente adota a Teoria do Risco da Atividade Econômica, entendendo que o trabalho do empregado é que gera o lucro da empresa e, por consequência, o empresário se beneficia desse resultado enquanto o trabalhador apenas recebe a remuneração pelo serviço (e não o lucro); por isso, eventual prejuízo do empreendimento deve ser suportado por ele. Assim, no Direito do Trabalho, por força do próprio artigo 2º da CLT, o empregador assume o risco da atividade econômica, não podendo transferi-la ao empregado.

    CLT. Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

    Consoante tal entendimento, sendo caracterizada a insolvência da empresa no processo do trabalho, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica pode ser aplicada mesmo que não tenha ocorrido desvio de finalidade e ainda que a pessoa jurídica tenha sido utilizada nos termos da lei. Isto simplesmente porque, no caso de insolvência, se não fosse aplicável a desconsideração da personalidade jurídica, o empregador teria o seu patrimônio pessoal protegido enquanto o empregado ficaria no prejuízo, diante do não recebimento da contraprestação pelo trabalho que ele já realizou. Desse ponto de vista, ocorreria uma inversão da Teoria do Risco da Atividade Econômica, já que o empregado é que suportaria os riscos da atividade.

    Mas é evidente que, mesmo sob o enfoque dessa teoria, inexiste norma específica para sustenta-la pois, como se observa, o artigo 2º da CLT não é suficiente.

    Logo, qualquer que seja a opção do julgador trabalhista, ela provém muito mais de uma construção jurisprudencial do que de um comando legal, enquanto, por outro lado, a proteção do patrimônio do empresário é absoluta e expressamente prevista na lei, incólume de dúvidas.

    Importa reconhecer, portanto, que, se decretada a desconsideração pela simples inadimplência ou pela só insuficiência patrimonial da pessoa jurídica, sem real subsunção do caso concreto a uma das hipóteses que a autorizam, a decisão representará um golpe letal ao Direito Empresarial, fulminando a legalidade do que ele pretendia agasalhar.

     

    Fonte : Jus Brasil

  • A profissionalidade exigida na atividade empresarial e a consultoria jurídica

    A profissionalidade exigida na atividade empresarial e a consultoria jurídica

    Embora o título guarde certo grau de obviedade, faz-se necessária uma breve reflexão desta característica marcante dos contratos empresariais e, consequentemente, do próprio exercício da atividade mercantil e a sua correlação com a consultoria advocatícia.

    Evidentemente, todo contrato, em regra, encontra-se atrelado a uma série de direitos e obrigações recíprocas (bilateralidade) entre os contratantes e, por conseguinte, envolve igualmente uma série de riscos as partes e aos seus respectivos capitais – os quais não se confundem com o patrimônio social.

    O sucesso ou fracasso de um empreendimento comercial tutelado por um contrato está umbilicalmente atrelado aos riscos nele assumidos pelo empresário, os quais podem atingir o capital investido e, portanto, vir a inviabilizar a própria subsistência da empresa. O “capital chega a ser, para a empresa, uma verdadeira alma ou, sob certos aspectos, autêntico alimento básico, tal como o combustível para um motor à explosão[1]”.

    profissionalidade do empresário é característica que distingue as relações que ele estabelece com os demais agentes econômicos do mercado. Diferentemente do que ocorre em outras espécies de relações, v. G. as consumeristas, nos vínculos empresariais se pressupõe que o homem de negócios detenha as informações relevantes e necessárias daquelas obrigações que eventualmente assumirá com outros parceiros comerciais.

    Pressupõe-se, assim, que o empresário conhece as particularidades do mercado em que se encontra inserido ou que deseja se aventurar como um novo player. As regras do jogo se encontram preestabelecidas e, deste modo, entende-se que aquele que negocia nele as conhece, não podendo ser, simplesmente, vítima de equívoco ou engano[2].

    Indene de dúvida, podemos afirmar que a informação no mercado tem um custo, não sendo, normalmente, gratuita. O conhecimento de determinado fato terá influência direta na negociação entre as partes e aquele que tiver deixado de obtê-lo, objetivando reduzir custos, terá agido por sua conta e risco, devendo arcar com eventual prejuízo decorrente da sua falta de zelo.

    Percebe-se, deste modo, que o conhecimento ou a falta dele se alia ao risco do empresário e consequentemente ao capital deste investido. “Em outras palavras, o contratante que detém efetivo conhecimento, em operação na qual ele é necessário, estará mais coberto de surpresas do que aquele que o assume, mas não o detém. No primeiro caso goza dos confortos da comutatividade. No segundo, sofre os riscos da álea[3]”.

    Nesse cenário se verifica que as atividades empresariais exigem certo grau de tecnicidade, noutros termos, o empreendedor ao realizar negócios de alguma complexidade devem estar acompanhados de profissionais capacitados quando não compreender precisamente o assunto em pauta e, principalmente, como se instrumentalizará a relação entre as partes.

    A consultoria jurídica se mostra, no mínimo, relevante a essa altura. O empresário por vezes se cerca das informações técnicas seja do produto ou dos serviços a serem contratados ou prestados sem, contudo, atentar-se para a necessidade de se desincumbirem do ônus jurídico.

    Em síntese, podemos afirmar que o ônus jurídico é uma imposição de observância de determinado comportamento pelos contratantes, a fim de que estes alcancem e/ou obtenham uma vantagem ou, ainda, que evitem uma desvantagem. No caso, tal comportamento se traduz no fato de estarem cientes dos desdobramentos da relação estabelecida, seus efeitos, prós e contras.

    O papel do advogado-consultor ganha destaque, na medida em que este ônus é transferido a ele. O empresário ao transferir tal encargo poderá concentrar seus esforços tão somente em sua área de expertise, preocupando-se unicamente com o objeto do contrato e as implicações dele no seu negócio.

    Outrossim, ao se desincumbir do aludido ônus jurídico, automaticamente estará devidamente informado das suas obrigações como contratante e dos seus respectivos direitos. Não basta para o comerciante conhecer o mercado em que outros agentes econômicos atuam, mas, também, faz-se necessário conhecer os instrumentos pelos quais se estabelecem as relações.

    A informação e/ou o conhecimento, como dito alhures, não são gratuitos. Porém, menos custoso e desgastante que o litígio, o entrave, é a transferência da preocupação jurídica (ônus) a um player que conhece o pacto a ser elaborado e suas nuances, ou seja, ao advogado para que este resguarde os interesses comerciais envolvidos.

    Notadamente, naquele momento que antecede a celebração do contrato, principalmente quando se verifica desigualdade entre as partes celebrantes (v. G. uma startup e empresa de maior porte), seja em termos financeiros, estruturantes ou técnicos, deve-se buscar um equilíbrio mínimo legal (jurídico), com o objetivo de compensar essas diferenças.

    Destarte, a profissionalidade do empresário diz respeito, também, em garantir que tomou as medidas necessárias para resguardar os seus interesses, evitando surpresas no cumprimento ou não das obrigações pactuadas com outros agentes econômicos.

    Consequentemente, ao transferir o ônus jurídico da autoinformação ao expert (advogado), estará munido das informações e/ou conhecimentos legais necessários, diminuindo os riscos inerentes a toda atividade empresarial e aos contratos que a regem, assim como estará protegendo o capital que garante o seu pleno desenvolvimento.

     

    Fonte : Jus Brasil

  • A importância da Assessoria Jurídica Empresarial e Preventiva

    A importância da Assessoria Jurídica Empresarial e Preventiva

    É inquestionável que as decisões da Justiça do Trabalho, em sua grande maioria, são desfavoráveis aos empregadores, gerando um clima de desconforto e insegurança jurídica aos seus sócios e administradores. Tal circunstância pode, e não raras as vezes, ocasionar o fechamento destas empresas que não estão devidamente preparadas e orientadas para enfrentar um procedimento jurídico.

    O crítico momento político e a crise econômica financeira são problemas que assolam todo o cenário empresarial, mostrando-se inviável o enfrentamento de demandas jurídicas trabalhistas sem a prévia preparação. Porém, estes são problemas que podem ser evitados ou amenizados com a contratação de uma assessoria jurídica preventiva, tanto para área trabalhista, como também para as demais áreas relacionadas ao meio empresarial.

    Este tipo de precaução demonstra ser um método extremamente necessário e eficaz para a sobrevivência das mais variadas formas empresariais, em especial as micros e pequenas que buscam o crescimento de seus resultados e da contínua melhoria de suas relações com o mercado em que atuam.

    A realização de auditorias prévias, identificando atividades e posturas que possam gerar riscos e prejuízos ao empreendimento, bem como orientações sobre questões relacionadas à segurança e medicina do trabalho, a elaboração de contratos e ordens de serviços, o acompanhamento de procedimentos investigatórios, a defesa e o gerenciamento de passivos e ativos trabalhistas são alguns dos métodos utilizados para prevenir, evitar e reduzir ao máximo os custos da empresa que possui essa visão de mercado.

    Oportuno salientar um ditado muito conhecido, mas pouco praticado: PREVENIR É MUITO MAIS EFICAZ E ECONÔMICO DO QUE REMEDIAR!

  • Arbitragem no Direito Empresarial contemporâneo

    Arbitragem no Direito Empresarial contemporâneo

    1. INTRODUÇÃO.

    O instituto da arbitragem, reintroduzido no direito brasileiro em estatuto próprio em 1996, com o advento da Lei n. 9.307, tem sido cada vez mais utilizado no Brasil como forma alternativa e efetiva para a solução de controvérsias, tornando-se, inclusive, uma opção viável ao Judiciário. A arbitragem, ou juízo arbitral, foi um dos primeiros meios de solução de conflitos conhecidos pela história, método pelo qual as partes buscam pacificar as relações conflituosas mediante a intervenção de um terceiro, de forma privada.

    Trata-se de um instituto legislado e conhecido há muito no Brasil, substantivado no direito brasileiro inicialmente pelas Ordenações Filipinas de 1603, e expressamente adotado pela Constituição brasileira de 1824, sendo efetivamente consagrado como forma de prevenir litígios nas Constituições de 1891 e 1969.

    Em operações comerciais internacionais, recente pesquisa conduzida pela Queen Mary University de Londres, em parceria com a consultoria Price Waterhouse Coopers, constatou que aproximadamente 73% das empresas multinacionais preferem o uso da arbitragem para solucionar suas disputas internacionais, e que 95% dessas empresas anseiam continuar ou ampliar a aderência a tal prática.

    As principais razões para tal escolha são: a flexibilidade no processo; a possibilidade de execução do laudo em virtualmente qualquer jurisdição, devido à existência da Convenção de Nova York de 1958; o sigilo assegurado ao processo; a capacidade das partes de eleger um ou mais árbitros afetos à questão sub judice; assim como a possibilidade de eleger uma lei apta a adequar a negociação à efetiva vontade das partes. As desvantagens normalmente estão associadas às custas, que algumas vezes podem ser superiores às do processo judicial; a ausência de prazos e fases definidas, que podem retardar o encerramento de alguns procedimentos; a possibilidade de intervenção do Judiciário, retardando ainda mais o procedimento; assim como a dificuldade em compelir terceiros a participar do processo.

    Há também uma percepção generalizada de que a revisão judicial de laudos arbitrais é impossível, o que não é verdade para alguns casos. O mérito da decisão efetivamente não se sujeita a um segundo grau de jurisdição, mas questões formais ou preliminares rechaçadas pelos árbitros podem ser revistas em juízo. Ademais, muitos dos problemas identificados no procedimento arbitral também são encontrados na solução pela via judicial.

    Por essas razões, somadas à cultura da submissão dos particulares aos órgãos da administração estatal e à idéia de que a administração da justiça é monopólio do Estado, é que infelizmente a arbitragem nunca se firmou como opção viável em contratos celebrados em território nacional, um pouco pela ausência de um marco legal definido e de uma cultura avessa à intervenção privada em um domínio tido como exclusivo do Judiciário estatal, um pouco pelo desprestígio ao instituto outorgado pela lei até então vigente, que, nas raras ocasiões em que o fazia, demandava um procedimento extremamente gravoso para dar efetividade às decisões arbitrais, e muitas vezes produzia um laudo (decisão) que não poderia ser executado.

    Tal cenário interno mudou. Diversas são as áreas em que a arbitragem se tem mostrado como instrumental eficaz, e, para questões no âmbito societário, esta demonstra um promissor potencial, devido à especificidade das questões que podem surgir entre sócios de uma empresa e entre estes e a própria empresa.

    A mesma lógica que leva milhares de empresas e empresários a optar pela arbitragem para a solução de suas controvérsias comerciais internacionais pode ser utilizada como paradigma para eleger a arbitragem como forma de solução de controvérsias societárias. A uma porque grande parte das empresas modernas tem capital e sócios estrangeiros e atuações em diversas localidades do globo, ou busca sócios com esse perfil para integrar seu quadro societário; a duas porque as lides societárias, assim como nas operações de comércio internacional, são extremamente intricadas e específicas, e seu manuseio e comando não são dominados por grande parte dos integrantes do Judiciário pátrio, seja por falta de prática, vivência ou preparo; a três porque em determinadas ocasiões pode ser útil às partes a eleição de um direito outro que o brasileiro, e a única forma de fazer prevalecer uma decisão pautada em direito estrangeiro é a via arbitral; a quatro porque a sociedade pode continuar suas atividades sem qualquer interferência externa, focando seus esforços em sua atividade-fim, e não num contencioso aberto que muitas vezes atribula ou interrompe a vida da empresa. Por fim, num mercado cercado de terceiros ilegitimamente interessados nos assuntos internos da sociedade, a possibilidade de resolução de controvérsias de forma técnica, eficaz, veloz e sigilosa pode garantir a preservação e a independência da empresa.

    Por ser um tema de grande amplitude, o presente artigo tentará demonstrar as questões mais relevantes de forma sucinta e clara, buscando analisar unicamente os aspectos mais importantes do instituto.

    2. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O INSTITUTO DA ARBITRAGEM.

    A Lei n. 9.307/96 alterou as regras até então vigentes no Brasil relativas à arbitragem, possibilitando eficazmente solucionar litígios por meio da indicação de árbitros ou instituições arbitrais escolhidas pelas partes.

    A arbitragem, na forma prescrita pela lei, está apta a solucionar unicamente controvérsias que versem sobre direitos patrimoniais disponíveis, sendo adotada como método alternativo ao Poder Judiciário. Alternativo, pois se trata de instituição privada, de efeitos judicantes.

    Dentre as vantagens a serem elencadas podemos destacar a maior aderência à autonomia das vontades das partes; a rapidez; o preparo e a vivência do árbitro nas questões levadas à sua apreciação; por vezes um custo menor; legalidade e possibilidade de execução forçada da decisão; assim como a manutenção de sigilo quanto ao procedimento e à decisão a ser alcançada.

    Adicionalmente, mister se faz afirmar que o árbitro deve ser pessoa ou instituição estranha à empresa e aos acionistas, uma vez que, nos termos do art. 14 da Lei 9.307/96, aplicam-se aos árbitros os mesmos impedimentos ou suspeição dos juízes.

    Às partes, todavia, é lícito transigir nesse aspecto havendo um terceiro interessado ou afeto à causa que conte com a confiança da totalidade dos participantes do processo arbitral.

    A arbitragem pode ser ad hoc ou institucional.

    A primeira não é necessariamente conduzida sob as diretrizes e normas de nenhuma instituição arbitral regularmente constituída, de forma que as partes podem convencionar livremente as regras procedimentais e a seleção dos árbitros, podendo inclusive, se acharem conveniente, sujeitá-las a procedimento institucional. Já quando submetidas a uma instituição arbitral, as partes concordam em solucionar a disputa por essa instituição especializada, que administrará os procedimentos nos moldes de suas próprias regras, previamente conhecidas e aceitas pelas partes.

    3. DIREITO EMPRESARIAL CONTEMPORÂNEO: ARBITRAGEM E CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA.

    A aceleração do comércio e a rapidez no desenvolvimento dos negócios empresariais vêm acarretando mudanças no dia a dia das empresas, daí a busca por um mecanismo de solução de conflitos mais ágil e eficaz, necessidade esta que, cominada com a introdução do § 3º do art. 109 da Lei das S.A., em 2001, acabou por finalmente legitimar o uso do instituto da arbitragem à solução das controvérsias societárias.

    A busca por características como confidencialidade, agilidade e sigilo deveriam incentivar ainda mais o uso da arbitragem para solucionar conflitos empresariais entre acionistas minoritários, acionistas controladores, destes entre si ou entre a companhia e acionistas, dirimindo conflitos entre administradores ou terceiros, protegendo assim as relações internas e externas, fomentando a confiança do mercado e evitando potenciais danos à imagem da empresa.

    O Código Comercial de 1850 já previa a arbitragem como forma de solução de conflito entre os sócios ou acionistas de uma empresa. Inserida no contrato social ou estatuto social ou até mesmo, como é mais usada, em documentos como o acordo de quotistas ou de acionistas, trata-se de instituto já conhecido pela doutrina e jurisprudência pátria.

    Por meio de cláusula compromissória inserida no documento social da empresa, ou em documento apartado, as partes capazes de contratar firmam a cláusula compromissória para solucionar eventuais divergências no cumprimento ou interpretação dos atos constitutivos das sociedades.

    Pela cláusula compromissória, as partes devem acordar em submeter-se às regras de um órgão arbitral institucional ou entidade especializada, ou a arbitragem ad hoc, optando por regras próprias ou se sujeitando às regras de uma instituição. Dessa forma, quando for invocada, seguirá as normas previamente estipuladas.

    O art. 4º da Lei n. 9.307/96 define a cláusula compromissória da seguinte forma: “A convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”. Importante notar que tal determinação é feita in abstracto, ou seja, antes da ocorrência de qualquer conflito. É a predeterminação da via arbitral como a única apta a solucionar quaisquer controvérsias oriundas da interpretação daquele contrato.

    A cláusula compromissória inserida no instrumento contratual é o meio mais adequado para refletir a vontade e a intenção das partes de ter seus conflitos solucionados por arbitragem, devendo-se especificar quais tipos de controvérsias serão solucionados por tal via ou, como costuma acontecer na maioria das vezes, que a arbitragem seja usada para a solução de todas as divergências, dentro dos limites legais.

    No direito Empresarial Contemporâneo, assim como em outros ramos do direito em que a arbitragem pode ser utilizada, as partes podem instituí-la mesmo quando não tiverem inserido cláusula nesse sentido no instrumento social constitutivo, convencionando os termos do procedimento no chamado compromisso arbitral.

    O compromisso arbitral, nos termos do art. 9º da Lei n. 9.307/96, é “a convenção através da qual as partes submetem um litígio à arbitragem”. Assim, uma vez identificada a natureza e a extensão da controvérsia, as partes podem optar por encaminhá-la à arbitragem, mediante a assinatura de um compromisso arbitral. Este difere da cláusula arbitral por se tratar do documento necessário para iniciar o procedimento arbitral, e só pode ser invocado in concreto, ou seja, quando já existe um conflito a ser dirimido.

    Vale ressaltar ser extremamente importante a forma como são elaborados, seja a cláusula ou o compromisso arbitral, devendo sua redação, idioma, conteúdo, local da arbitragem e o órgão arbitral ser predeterminados de forma clara e direta, para que a arbitragem possa cumprir sua finalidade, além de demonstrar com clareza inequívoca a vontade das partes, evitando assim que as sociedades ou seus sócios/acionistas/quotistas venham questionar no Judiciário sua validade.

    Dessa forma, apesar de facultativa a opção pelo juízo arbitral, uma vez adotado por meio de cláusula compromissória ou de compromisso arbitral, as partes se vinculam a esse modo para solucionar suas controvérsias, podendo qualquer delas, a qualquer tempo, requerer a instalação do juízo arbitral para dirimir seus litígios.

    4. A ARBITRAGEM NAS SOCIEDADES LIMITADAS.

    No que tange às chamadas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, cujas regras estão definidas no Código Civil brasileiro (arts. 1.052 a 1.087), nosso legislador, pela adoção do parágrafo único do art. 1.053, autorizou a adoção supletiva das regras das sociedades anônimas. Assim, o paralelo entre essas formas torna-se marcante.

    A lei brasileira de arbitragem, em seu art. 4º, § 1º, estabelece que “A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado que a ele se refira”. Dessa forma, a arbitragem pode ser instituída na sociedade limitada em seu contrato social, visando dirimir conflitos entre sócios, na liquidação da empresa, entre sócios e empresa e até mesmo na partilha de seu acervo.

    Pedro A. Batista Martins comenta: “Por força dos elementos constitutivos, a estipulação do pacto arbitral não deverá, no mais das vezes, enfrentar maiores percalços”.

    Por meio de uma cláusula compromissória inserida em acordo de quotistas de uma sociedade limitada, podem os sócios manifestar a vontade unânime de preservar a empresa, referindo quaisquer controvérsias entre os quotistas a via arbitral, produzindo todo e qualquer efeito até então supostamente tutelado somente pela jurisdição estatal. O arbitro, ou os árbitros, podem decidir quaisquer assuntos, nomear interventores ou mesmo expedir ordens liminares.

    O instrumento no qual constar a utilização da arbitragem para dirimir qualquer litígio, desde que assinado pelos sócios/quotistas, não será passível de qualquer dúvida no que tange à cláusula compromissória e deverá afastar do Judiciário o conhecimento de qualquer causa.

    Inexistindo no contrato social a cláusula compromissória, ou sendo inserida posteriormente a sua constituição por decisão dos quotistas majoritários, somente estes se vincularão à arbitragem como forma de solucionar controvérsias. Aqueles minoritários que não votaram positivamente, assim como aqueles que estiveram ausentes da assembléia ou reunião que adotou tal cláusula ou dela não tiveram notícia, a ela não se vincularão, por se tratar a arbitragem de instituto derivado de declaração personalíssima de vontade, não podendo a decisão de alguns, ainda que a maioria, excluir da parte recalcitrante ou ausente o direito constitucionalmente garantido de resolver suas questões pelo juízo estatal. No entanto, uma vez tendo ciência da existência de tal cláusula, competirá ao sócio a opção de continuar ou não vinculado à empresa, devendo, se nela permanecer, sujeitar-se ao procedimento arbitral.

    É fato cediço que a prerrogativa de ajuizar ações, instituída pelo art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, é passiva de transação de direitos; em havendo concordância tácita ou expressa à cláusula compromissória, o sócio estará vinculado à arbitragem como forma exclusiva para a solução de controvérsias societárias. Não é possível a discordância com a instituição de tal forma de dirimir as questões societárias se aprovado em consonância com o quorum legal ou contratual. O voto negativo ou o mero protesto pela sua não vinculação constituiria justa causa para a exclusão do sócio recalcitrante, ou o autorizaria, nos termos do art. 1.077 do Código Civil, a retirar-se da sociedade voluntariamente, mas não o desobrigaria de sujeitar-se ao procedimento arbitral caso permaneça como sócio da empresa.

    Vale salientar que em 1999, portanto antes da edição do Código Civil de 2002, Arnoldo Wald constituiu uma comissão com o objetivo de elaborar uma lei específica para as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. Esse anteprojeto previa em seu art. 4º o que segue: “O contrato social poderá: (…) II – prever: (…) g) a solução por arbitragem dos conflitos entre a sociedade e os sócios ou entre estes, com a indicação da forma pela qual deverá ser realizada”.

    No mesmo projeto, o art. 46 estabelecia: “O contrato social poderá submeter à arbitragem as divergências entre a sociedade e os sócios ou entre estes, especificando as regras aplicáveis”.

    No entanto, tal projeto não foi aprovado, e o Código Civil é silente quanto a esse aspecto. Em casos de omissão, podemos afirmar que a eleição da arbitragem como forma de solução de controvérsias não é vedada pelos dispositivos de lei que hoje regem as sociedades por quotas de responsabilidade limitada, desde que as partes tenham anuído com tal forma de solução de litígios, o objeto da arbitragem esteja restrito a questões de ordem patrimonial e sejam relativos a direitos que sejam disponíveis pelas partes.

    5. A ARBITRAGEM NAS SOCIEDADES ANÔNIMAS.

    A Lei de Sociedades Anônimas, Lei n. 6.404/76, em diversos momentos destaca expressamente a arbitragem.

    O art. 109, § 3º, introduzido pela Lei n. 10.303/2001, estabelece que “O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre acionistas e a companhia ou entre os acionistas controladores e os minoritários, poderão ser solucionados mediante arbitramento, nos termos em que especificar”.

    Nos termos da lei, existe a possibilidade de solucionar conflitos entre acionistas minoritários, acionistas controladores ou controvérsias entre a companhia juntamente com seus acionistas e administradores pela via arbitral.

    Maria Eugênia Finkelstein expõe que “as Sociedades Anônimas são constituídas por meio de um estatuto social (…), que é a lei máxima que rege a vida da companhia e a relação desta com seus acionistas. É no estatuto social que se encontram disposições gerais que regulam o funcionamento da companhia”.

    Assim, forçoso afirmar que a natureza jurídica do estatuto social é contratual. Dessa forma, havendo consenso quanto ao uso da prerrogativa legal da inserção da arbitragem para dirimir controvérsias no seio da sociedade e havendo cláusula contratual nesse sentido, há de se afirmar que essa determinação faz lei entre as partes (pacta sund servanda). A assembléia de acionistas é soberana ao ditar os rumos da sociedade, e, havendo a aprovação desse órgão, seja na constituição desta, seja em aditamento aos seus atos constitutivos, todas as partes que desejam permanecer na companhia devem submeter-se a tal forma de solução de controvérsias.

    Corroborando o posicionamento anteriormente exposto, que classifica a eleição da via arbitral como exercício de direito personalíssimo que necessita da anuência ou da declaração de vontade do sócio de submeter-se a tal meio, faz-se necessário expor que existem dúvidas quanto à vinculação deste ao procedimento arbitral por novos acionistas ou acionistas recalcitrantes, em detrimento da proteção de direitos essenciais (assim como os não essenciais) pela via judiciária.

    Doutrinadores como Modesto Carvalhosa e Nelson Eizirik defendem que a cláusula compromissória deve ser especificamente aprovada, por escrito, pelos sócios que ingressam posteriormente na sociedade, sob pena de sua invalidade.

    A questão da submissão dos novos acionistas ao procedimento arbitral estatuído em segundo momento gera dúvidas no que diz respeito à necessidade de convalidação em documento apartado, revestido de formalidades adicionais para garantir à sociedade e à totalidade dos sócios sua submissão à arbitragem. Por óbvio que a existência de tal documento é recomendável, mas não nos parece ser imprescindível.

    Carvalhosa e Eizirik afirmam que a submissão erga omnes dos sócios a uma cláusula compromissória “não vincula os acionistas que não tenham inequívoca, livre e expressamente contratado a referida cláusula ou a ela expressamente aderido, nos termos do § 2º do art. 4º da lei n. 9.307/96”. Todavia, a mensagem legislativa que norteia essa determinação da lei de arbitragem pressupõe tratar-se essas formas contratuais de contrato comerciais, e, no mais das vezes, de relações de consumo, o que não pode nem deve ser tomado com paralelo nesta discussão.

    Tal situação é também distinta daquela prevista na legislação italiana (Decreto Legislativo n. 5, de 17 de janeiro de 2003), que contém dispositivos próprios para a arbitragem em matéria societária e determina que, uma vez aprovada a cláusula compromissória, esta vinculará todos os sócios.

    Uma vez que a cláusula compromissória consta do estatuto da companhia, ou nela é introduzida a posteriori, os novos acionistas não precisam demonstrar em documento separado que concordam com a inserção de arbitragem para solucionar conflitos societários. Uma vez demonstrada de boa-fé, a ciência inequívoca de que a parte teve acesso ao texto do documento constitutivo da obrigação de arbitrar conflitos, a parte deve ou anuir com tal prerrogativa ou retirar-se da sociedade, uma vez que arbitragem é a forma preferida por ela para solucionar seus conflitos. Nesse caso não se trata da prevalência da vontade individual da parte, mas sim da vontade da pessoa jurídica, representada pelo voto positivo da maioria dos sócios. Não se trata de imposição do juízo arbitral, mas sim de uma opção da empresa à qual a totalidade dos acionistas deve sujeitar-se.

    Uma vez que a assembléia dos acionistas, órgão deliberativo máximo da sociedade, reúne-se e decide alterar a forma de exercício de um direito, sem, no entanto, suspendê-lo, essa passa a ser a vontade da companhia. Assim, a declaração de vontade do sócio discordante deverá ser negativa, mas sua vontade individual não poderá sobrepor-se à vontade da maioria, que representa a vontade da companhia.

    À assembléia compete “discutir, votar e deliberar sobre qualquer assunto do interesse social”. O cumprimento com o quorum prescrito na lei, ou no estatuto social, é que determina os limites da decisão. Se em consonância com tal prescrição legal, a decisão que impõe conduta diversa da anteriormente contratada vincula a totalidade dos sócios.

    A lei não determina que nas arbitragens societárias a declaração deva ser expressa, nem veta a renúncia tácita, instituto já consagrado no direito brasileiro. A vontade de se submeter ao procedimento arbitral pode ser implícita, desde que seja inequívoca. O protesto com o condão de preservar um direito anteriormente estatuído, da mesma forma, não produzirá os efeitos almejados.

    A retirada do sócio inconformado, a despeito de não se inserir no rol das causas possíveis do art. 137 da Lei das S.A., justificar-se-ia por haver alteração essencial na mecânica operacional e supressão de direito adquirido, direito este elencado entre aqueles do art. 5º da Constituição Federal, ao qual a parte não deseja renunciar, mas cuja alteração e validade resta autorizada por lei e pela vontade soberana da maioria do capital social. É o único remédio eficaz, uma vez que a compulsoriedade da arbitragem como forma de solucionar controvérsias seria uma violência ainda maior. Por existir omissão da lei com relação ao caso em comento, o juiz deverá valer-se da analogia, do costume e dos princípios gerais do direito para autorizar a retirada do sócio descontente.

    Modesto Carvalhosa afirma que não pode a cláusula compromissória estatutária negar o direito de ingresso em juízo de qualquer acionista que não tenha expressamente aderido a essa mesma cláusula, na forma prescrita na lei, e que são partes, para efeitos de celebração de cláusula compromissória estatutária, a própria sociedade e os acionistas que expressamente concordaram com essa substituição do foro judicial pelo arbitral.

    A questão essencial é a forma da manifestação da vontade, que é inequívoca quando da assinatura do estatuto, impossibilitando alegar falta de conhecimento da cláusula compromissória, enquanto o novo acionista deve, por meio de declaração expressa ou reconhecimento tácito, manifestar seu consentimento, aceitando e reconhecendo assim que o compromisso arbitral é válido. Da mesma forma, a alteração do estatuto social visando criar tal cláusula somente vinculará o sócio ausente caso ele tenha recebido convocação para assembléia contendo na pauta deliberações quanto à inserção de cláusula compromissória, assim como o extrato ou cópia da ata que votou favoravelmente a sua inserção ou por outro meio tenha acesso a tal modificação dos atos constitutivos da sociedade. Ao sócio que votou negativamente à inserção da cláusula compromissória somente caberá retirar-se da sociedade ou, ainda que a contragosto, sujeitar-se ao procedimento arbitral.

    Ou seja, a cláusula compromissória obriga a todos que dela têm ciência, inclusive aqueles que votaram contrariamente à sua inserção e optaram por permanecer no quadro societário, uma vez que a ciência inequívoca da sua existência vincula todos à decisão soberana da assembléia. A vontade da maioria deverá prevalecer, desde que preservados os direitos dos descontentes, direito este restrito a retirar-se da sociedade caso não aceite a adoção da cláusula compromissória. Uma vez que o estatuto social tem força de lei, vinculando a totalidade dos sócios e a sociedade, a liberdade da parte está severamente limitada no tocante à forma de solucionar as suas controvérsias, devendo submeter-se à forma escolhida pela assembléia geral.

    6. A ARBITRAGEM EM OUTROS TIPOS SOCIETÁRIOS.

    A via arbitral pode também ser utilizada em outras estruturas societárias, diversas daquelas até agora tratadas, uma vez que, inserida a cláusula compromissória no instrumento constitutivo da forma associativa, as partes demonstram sua vontade inequívoca de instituir a arbitragem no caso da eclosão de um conflito. A sua validade justifica-se por se tratar de forma de solução de controvérsia não defesa em lei, autorizada nos termos da Lei n. 9.307/96 e, ainda, supletivamente, pela aplicação da Lei das S/A.

    Formas societárias como a sociedade simples, o consórcio, a sociedade em conta de participação e o grupo de sociedades deveriam cada vez mais incluir a arbitragem em seus contratos constitutivos, visando recorrer a tal método para solucionar controvérsias futuras em vez de recorrer ao Judiciário.

    Tal fato, ou melhor, a expectativa de que cada vez mais empresas recorram à arbitragem como forma de solução de suas controvérsias contratuais, fomentou a criação e a ampliação de algumas câmaras arbitrais, como a Câmara da Bovespa e a SP Arbitral, da Junta Comercial do Estado de São Paulo e FECOMÉRCIO. Uma das formas de assegurar que a arbitragem evolua sempre é fornecer ao mercado instituições sérias e preparadas aos desafios da arbitragem.

    As vantagens demonstradas pela via arbitral também atraem os que utilizam esses tipos diversos e menos utilizados no direito societário pátrio, uma vez que tais sociedades implantam a cláusula compromissória como forma de garantir celeridade e sigilo em suas possíveis controvérsias, o que demonstra a efetividade do instituto.

    É necessário salientar, porém, que esses tipos societários, assim como as sociedade anônimas, podem ter a cláusula compromissória estipulada posteriormente, em documento apartado, por isso dúvidas e questionamentos posteriores devem ser analisados para que ocorra o cumprimento da efetividade da arbitragem.

    Essa forma de solução de controvérsias não deve ser confundida com arbitragem de questões trabalhistas ou consumeristas, por envolver potenciais direitos indisponíveis, ou com a “Corporate Complaint System” do direito norte-americano, pois este é um sistema de solução de controvérsias entre a empresa e seus empregados, principalmente os não sindicalizados, e não da empresa e seus sócios, foco da arbitragem empresarial.

    7. CONCLUSÃO.

    A arbitragem já se fixou como excelente opção privada para solução de controvérsias aos operadores do comércio, sendo quase uma regra nos contratos comerciais internacionais.

    Recente mudança legislativa ocorrida no Brasil, introduzindo um estatuto próprio à arbitragem, reforçado por alteração na Lei das S.A., propiciou as formas associativas de o direito brasileiro introduzir a arbitragem como forma de solução de suas controvérsias, consubstanciado ao Direito Empresarial Contemporâneo.

    A dificuldade reside em definir se os sócios que não optarem por ter a arbitragem como forma de solver suas controvérsias vinculam-se a tal método ou preservam os direitos, consagrados pela Constituição Federal, de acionar a parte discordante em juízo.

    Concluímos que a decisão da sociedade de referir à arbitragem seus conflitos internos deve sempre ser tomada pelo juízo arbitral, cabendo ao sócio discordante o direito de se retirar da sociedade, inclusive nas S/A.

  • Autonomia do direito empresarial

    Autonomia do direito empresarial

    A autonomia formal ou legislativa assenta que um ramo do direito pode ser tido como formalmente autônomo se radicado em uma lei especificamente editada para abriga-lo. Conforme esse parâmetro, indispensável seria para que esse direito comercial obtivesse sua autonomia formal, a existência de um código exclusivamente seu.

    Das três manifestações de autonomia, a autonomia formal é a menos relevante[35]. O fato de ramos jurídicos cientificos e substancialmente autônomos estarem disciplinados no texto legal, como é o caso brasileiro com o CC/02, não importa necessariamente na sua unificação. Apenas revela a opção político-legislativa feita em determinado momento e circunstância histórica, nada mais que isso.

    No caso do Brasil, a CF/88[36] atribui à União a competência exclusiva para legislar sobre Direito Comercial (art. 22, I), que deve realizá-la em conformidade com uma das espécies legislativas admitidas pelo processo legislativo constitucional (art. 59), vale dizer, sob a forma de leis – que podem ser ordinárias, delegadas ou complementares –, emendas à constituição, medidas provisórias, ou decretos e resoluções legislativas.

    É preciso observar que o processo legislativo pátrio não considera ‘código’ como uma espécie legislativa em si. Destarte, no direito brasileiro, um código deve revestir-se sempre de uma daquelas espécies legislativas supraindicadas, observadas as atribuições constitucionais sobre competência legislativa.

    O CCom, nesse sentido, será, pois, uma lei e estará sujeito ao mesmo regime que qualquer outra lei da mesma estatura se submete; vale dizer, o vocábulo código, pelo menos do ponto de vista legislativo, não confere ao diploma legal nenhum “tratamento especial”, senão por uma minúscula exceção, que reside apenas no procedimento interno das casas legislativas, prevendo em regra prazos mais dilatados e possibilidade de prorrogações entre os atos do processo legislativo[37] sobre o procedimento de aprovação de código.

    No que respeita à questão da autonomia formal, essa situação acaba reduzindo sua importância, na medida em que, para que uma lei seja editada com validade, vigência e eficácia, basta que haja estreita observância aos ditames constitucionais do processo legislativo – sendo, dessa maneira, indiferente se na ementa da lei conste expressamente o vocábulo código, ou se, no seu articulado, existam livros, capítulos ou seções destinados à disciplina de objetos jurídicos distintos.

    Assim, apenas a promulgação de um novo código devolveria, do ponto de vista formal e legislativo, a autonomia ao Direito Comercial; por outro lado, do ponto de vista da autonomia substancial, é irrelevante se o conjunto de normas voltadas à regulação das transações empresariais está encartado em leis esparsas, ou num código civil ou mesmo concentradas num código comercial.


    7.      AUTONOMIA SUBSTANCIAL:

    A autonomia substancial, por outro lado, é a que interessa verdadeiramente[38], já que tem o condão de demonstrar a particularidade dos princípios próprios de uma matéria em relação às demais. A autonomia substancial associa-se à noção de autonomia jurídica ou científica e se caracteriza pela especificidade de preceitos, métodos e princípios atrelados ao complexo de normas constituintes da matéria, capaz de isolá-la cientificamente das restantes. Por tal crivo, ressai de modo inconteste a autonomia substancial exibida pelo Direito Comercial, sobretudo na atualidade, porquanto “possui o direito comercial traços que o tornam inconfundível.”[39]

    A autonomia substancial, conforme Giuseppe Terranova “non è qualcosa che delimita dal’esterno la materia, ma si radica in un complesso d’assiomi, di conoscenze e dogmi generalmente accettati, che condizionano dall’interno il lavoro dell’interprete. I principi – anche quelli del diritto commerciale – non possono sfuggire alla logica di setore.” [40] É essa lógica interna, derivada dos princípios que revela a autonomia substancial do Direito Comercial.

    Ascarelli[41] mostra algumas de suas características que ao longo da história destacaram o Direito Empresarial do direito comum:

    “(i) a omnipresença da noção de ‘mercado’ e sua vocação internacional, a revelar certa uniformidade nos ‘direitos comerciais’ estrangeiros; (ii) a preocupação em facilitar a circulação de bens, direitos, e riscos, tendo sempre em conta o entrosamento das relações de débito e crédito daí originadas; (iii) a atenção aos negócios entabulados profissional e sistematicamente, massificados, mediante uma organização (a empresa); (iv) a concepção da responsabilidade limitada (autonomia patrimonial); (v) a prevalência da autonomia contratual e a presunção de onerosidade; (vi) o desvelo em relação aos fenômenos creditícios, com especial atenção à figura do credor (tutela dos credores na falência, por exemplo); (vii) a tendência à simplificação, racionalização e despersonalização dos institutos juscomercialistas.”

    Essas características, válidas ainda hoje, resumem bem o núcleo conceitual do Direito Comercial.

    Em idêntico sentido, Waldemar Ferreira, que explica:

    “Direito consuetudinário em sua origem histórica, por isso mesmo liberal e equitativo, tendendo para unidade, em seu universalismo inato, o comercial extrema-se do civil pela variedade dos seus institutos, que não caberiam e não couberam nos códigos unificadores dos contratos e obrigações. Bolsas. Armazéns-gerais. Bancos. A conta corrente. A abertura de crédito. As operações cambiárias. As bancárias. As bolsísticas. A falência. Eis institutos e contratos fundamentais, caracteristicamente mercantis, a justificarem cabalmente existência autônoma e imperecível do direito comercial, econômico por excelência.”[42]

    Por ser um fenômeno fático, social e histórico[43], a autonomia substancial do Direito Empresarial implica a necessidade de (i) se reconhecer o conteúdo peculiar das normas qualificáveis doutrinariamente como sendo de Direito Empresarial, independentemente de sua fonte legislativa e, diante desse reconhecimento, (ii) se proceder à interpretação daquelas normas de modo igualmente diferenciado, isto é, consentaneamente aos princípios do Direito Empresarial[44] e não aos do direito privado comum.


    8.      CRITÉRIO DISTINTIVO DA AUTONOMIA SUBSTANCIAL DO DIREITO EMPRESARIAL – A COMERCIALIDADE OU EMPRESARIALIDADE:

    O conteúdo substantivo do Direito Empresarial, acumulado ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, reúne, como afirmado acima, institutos jurídicos heterogêneos entre si – como seguros, títulos de crédito, sociedades, contratos empresariais, tribunais de comércio, falências, bolsa e banco etc. –, mas que, por outro lado, ostentam um “denominador comum” entre todos eles. Por isso se pode afirmar que “[a] existência do direito mercantil como ramo jurídico autônomo justifica-se em função da especialidade técnica do fenômeno econômico por ele regulado”[45].

    Francesco Galgano[46] explicando as origens históricas do Direito Comercial, assinala que Direito Comercial nunca regulamentou hermeticamente toda a matéria relativa ao comércio, nunca tendo sido, portanto, um sistema autossuficiente. Pelo contrário, sempre fez uso subsidiário às normas de direito comum nas suas várias fases históricas: na idade média, remetia-se subsidiariamente ao corpus iuris, já na idade contemporânea, os códigos de comércio, ao estabelecerem que a ‘matéria comercial’ deveria ser primeiramente tratada pelo código comercial e costumes comerciais, admitiam recurso subsidiário ao código civil. Com efeito, prossegue o jurista:

    “L’essenza della <<commercialità>> di questa” partizione del diritto non si coglie in una visione sincronica del diritto privato, ditinguendola ratione materiae dal diritto civile; la se coglie se ci si dispone in una prospettiva diacronica: il diritto commerciale appare, allora, come l’innovazione giuridica introdotta nella regolazione dei rapporti economici, l’insieme delle <<speciali>> regole del commercio che, nelle diverse epoche storiche, la classe mercantile ha direttamente fondato o ha preteso dallo Stato; e sono assai spesso, regole destinate a tradursi, nelle epoche successive, in diritto privato comune, a diventare diritto civile.”[47]

    No mesmo sentido, Van Caenegem, segundo o qual:

    “[w]estern ius mercatorum (commercial law) was largely shaped at the great international trade fairs, in particular those of Champagne in the twelfth and thirteenth centuries; ancient practices turned into generally recognized usages and rules, for example in the case of bills of exchange. Contributions to the formation of European commercial law were also made by the rules of merchant corporations, as well as by the two great families of maritime law, that of the Mediterranean lands, where the lex Rhodia and the Consulat de Mar were observed; and that of the north of Europe, where the ‘Roles d’Oleron’ and the maritime law of Damme and Wisby were followed. Merchants had their own jurisdictions, market and maritime courts (Consulat de Mar), in which rules of commercial law were applied, and merchants were judged by their peers.”[48]

    Historicamente, como se vê das lições supramencionadas, a comercialidade – isto é, a aptidão de determinada atividade social ser regulada não pelo regramento comum (civil), mas por um conjunto normativo especial (comercial) – passou por fases: numa primeira, a comercialidade era subjetiva, dependente da qualidade pessoal do comerciante matriculado na corporação de ofício; numa segunda, a comercialidade foi objetivada na teoria dos atos de comércio; e, numa terceira, foi relativizada, com a adoção da teoria da empresa.

    A partir desse enquadramento histórico, é possível afirmar que o “denominador comum” alhures mencionado consubstancia-se efetivamente nos princípios jusmercantis, que funcionam como vigas mestras do Direito Empresarial, ordenando e dando unidade sistêmica àqueles institutos díspares acima enumerados. Corroborando com conclusão, Ascarelli, para quem “[a] explicação da autonomia do Direito Comercial não está apenas em peculiaridades técnicas necessariamente inerentes à matéria por ele regulada, mas na peculiaridade dos seus princípios jurídicos.”[49]

    Simílimo é o entendimento de Roy Goode, que, a partir de uma visão jurídica anglo-saxônica, aduz o seguinte:

    “I believe that commercial law does exist and that it embodies a philosophy, not always very coherent but nonetheless present, and fundamental concepts, not always very clearly articulated but nonetheless helping to implement that philosophy and to serve the needs of the business community. By the philosophy of commercial law I mean those underlying assumptions of fairness and utility which inform commercial law and run like a thread through its different branches. By concepts of commercial law I mean those principles of law, whether the common law or legislation, which are a particular response to the needs of the commercial community and thus apply with special vigour to commercial transactions, even though they are capable of application to noncommercial dealings.”[50]

    Tais princípios, por sua vez, têm coerência entre si por gravitarem em torno de uma ideia central, imanente ao Direito Empresarial, desde a sua origem até hoje, que se irradia por toda sua extensão. Essa ideia central é o mercado, na sua concepção jurídica.

    Direito Empresarial hoje é, pois, o direito do mercado, aí se radicando a noção atual de comercialidade, na medida em que seu objeto são as relações interempresariais que ocorrem dentro da ordem jurídica constituída pelo mercado.

    Cabe notar ademais que:

    “è sicuramente corretta l’osservazione secondo la quale l’attività umana e quindi l’atto di autonomia privata è giuridicamente rilevante nei limiti, per le ragioni e agli effetti riconosciuti e tutelati dall’ordinamento giuridico, con la conseguenza che il mercato è disciplinato dalle leggi vigenti, ma è pur vero che il compilatore [no caso, codificador dos projetos de Ccom já indicados], nelle scelte di politica legislativa dirette ad incidere normativamente sulla realtà mercantile, deve tenere ben presenti gli elementi prodotti da tale realtà e gli interessi economici in essa immanenti.”[51]

    Roy Goode, sobre a íntima relação entre mercado e Direito Empresarial ensina o seguinte:

    “Commercial law is influenced by the concept of a market in a variety of ways. Parties dealing in a market are deemed to contract with reference to its established and reasonable customs and usages, which can have the effect of giving a special meaning to ordinary words, of importing rights and obligations not normally implied, of permitting tolerances in performance which would not be accepted in the general law of contract and of expanding or restricting remedies for a shortfall in performance, as where a small deficiency in quantity or quality is compensatable by an allowance against the price, to the exclusion of the remedy of termination of the contract. The market price is taken as the reference point in computing damages against a seller who fails to deliver or a buyer who fails to accept the subject-matter of the contract, and a party who reduces his loss by a subsequent sale at a higher price or a subsequent purchase at a lower price is not normally required to bring this saving into account, contrary to the normal contract rules as to mitigation of damages. The problem for commercial law is to define the manner in which a usage of the market is to be established, a matter that can be of great difficulty but on which much may turn.”[52]

    Por outro lado, há que ter em mente que a ideia de mercado não pode ser dissociada da ideia de política e de direito, segundo Natalino Irti[53]. A decisão por esta ou aquela ordem econômica refletirá no mercado. Essa decisão materializa-se sob a forma de leis, que assim dão forma o mercado. O mercado é um locus artificialis, não um locus naturalis, ou seja, é um sistema de relações regido e constituído pelo direito (IRTI, 2001, p. 67). Mercado é uma “unità giuridica delle relazioni di scambio, riguardanti um dato bene o date categoria di beni” (IRTI, 2001, p. 81).

    Do ponto de vista político, o Direito Empresarial pode ser considerado como o direito do capitalismo (capitalismo aqui entendido em termos genéricos, como o regime de produção de riqueza baseado na propriedade privada, na livre iniciativa, na divisão do trabalho e nas trocas livres entre indivíduos). Assim, não apenas o mercado, mas conceitos como, crédito, lucro, risco lhe são também indissociáveis: mercado, porque, como aludido acima, é o locus onde ocorrem as trocas; crédito, porque mobiliza a riqueza; lucro, porque incentiva o exercício da livre iniciativa; e risco, porque é inerente à atividade empresarial e justifica o apropriação do lucro eventualmente angariado, nos moldes da fórmula ubi periculum ibi et lucrum collocetur. Esses elementos podem ser compreendidos como as variadas manifestações do etos capitalista do mercado, da sua dinâmica e lógica próprias, no qual o Direito Comercial se desenvolveu historicamente e que lhe confere razão de ser. Neles repousa a comercialidade (ou empresarialidade) que justifica a autonomia substancial do Direito Empresarial.

  • O nome empresarial e os sinais distintivos da atividade empresarial

    O nome empresarial e os sinais distintivos da atividade empresarial

    INTRODUÇÃO

    A atividade empresarial, por meio do trabalho e da inteligência de seu explorador (empresário, sociedade empresário ou EIRELI), desenvolve e cria sinais ou signos, os quais permitem a sua individualização no mercado.

    Esses sinais, então, adquirem importância econômica, atraindo a proteção e a atenção do Direito, porquanto importam na atração da clientela e, conseguintemente, a geração de riquezas. É ventilado aos quatro cantos que certas marcas valem mais do que a própria empresa, como a coca-cola, por exemplo. Sem proteção legal se estancaria o próprio desenvolvimento econômico, tão caro à sociedade capitalista. É que não se predisporiam a desenvolver novos sinais e produtos, porque deles não poderiam usufruir com exclusividade.

    Aqui vale um destaque especial. Empresa é a atividade explorada pelo empresário, seja individual, seja sociedade empresária, seja a novel EIRELI. Empresa não é pessoa (ver art. 44 do CC/02!). Empresa é a atividade econômica organizada. Logo, em seu sentido técnico, não possui CNPJ, não contrata e tampouco pode ser parte em um processo.

    Há três sujeitos possíveis para a empresa: empresário individual (art. 966, CC/02), a sociedade empresária (art. 982, CC/02) e a EIRELI (art. 980-A). Esses os figurinos legais possíveis para os que desejam explorar uma atividade econômica organizada.

    Pois bem. Cada um desses sinais distintivos possui sua disciplina legal, que lhes confere um desenho jurídico próprio, que inclui a definição, a proteção, a vigência etc.

    Os principais signos identificam a atividade empresarial a partir do sujeito, do local e do produto ou serviço. É dizer, o nome empresarial, o nome fantasia e a marca.

    Numa visão didática, individualiza-se, no mercado, a atividade empresarial assim:

    1.  Sujeito: nome empresarial. Popularmente e equivocadamente chamado de razão social. O empresário individual, a sociedade empresária e a EIRELI, vale dizer, os sujeitos da empresa, são identificados pelo nome empresarial. Exemplo: Companhia Brasileira de Distribuição é o nome empresarial do sujeito que explora o hipermercado EXTRA.
    2.  Local: nome fantasia. É o sinal distintivo da atividade empresarial que individualiza o local onde a empresa é explorada. Por vezes, não se sabe quem é o empresário por detrás daquele local, mas o nome fantasia já é suficiente para que se conheça e se interesse por ir até lá e adquirir seus produtos ou serviços. Exemplo: PONTO FRIO. É o título de estabelecimento ou o nome fantasia das lojas do empresário Globex Utilidades S/A.
    3.  Produto ou serviço: marca. É o signo que identifica o produto ou o serviço. Disciplinada pela Lei 9.279/96, a Lei da Propriedade Industrial. Quantos adquirem um produto ou serviço sem ter a mínima ideia de quem é a pessoa o fabrica, pois a marca já é o necessário para atrair os consumidores. Não se indaga, normalmente, quem é o empresário, bastando a marca.

    Sobreleva destacar que é possível que coincidam. Vale dizer, a hipótese em que a atividade empresarial é identificada a partir do mesmo sinal. É o caso do CARREFOUR, que é o nome empresarial, o nome fantasia e, ainda, a marca de produtos.

    O foco deste trabalho é o nome empresarial.

    O NOME EMPRESARIAL

    2.1. CONSIDERAÇÕES GERAIS

    Como dito, o nome empresarial é o signo distintivo que identifica o sujeito da atividade empresarial, aquele que explora a empresa.

    A disciplina legal encontra lugar nos artigos 1.155 ao 1.167, do CC/02, bem como nos arts. 33 e 34 da Lei 8.934/94. Sugere-se uma leitura a esses dispositivos legais.

    Todo empresário deve escolher um nome empresarial, o qual deverá ser indicado no momento do registro. Sob tal sinal é que se apresentará ao mercado e que contrairá obrigações. Se quiser desvendar o empresário que explora determinada atividade, descubra seu nome empresarial. Ninguém proporá uma ação contra o EXTRA hipermercado, mas sim contra a pessoa respectiva, ou seja, Companhia Brasileira de Distribuição.

    Há duas espécies de nome empresarial, conforme se extrai do art. 1.155: firma ou denominação. Noutras palavras, o empresário, sob qualquer de suas formas, deverá eleger uma dessas espécies para explorar sua atividade. É bom que se diga que, como se verá adiante, não vigora nesse ambiente a plena liberdade de escolha.

    No quotidiano, contudo, cristalizou-se outra cena. É que diz-se apenas razão social. Como se razão social fosse a única espécie de nome empresarial. A lei (art. 1.155) não adota essa designação. Trata-se de um sinônimo de firma social, sem, contudo, respaldo em lei.

    Finalmente, o nome empresarial deve observar dois princípios, conforme estatuído no art. 34 da Lei 8.934/94, a saber: novidade e veracidade. O primeiro indica que o nome deve ser distinto de outro já registrado. O segundo diz que o nome não pode empregar inverdades (na firma: o nome do empresário ou dos sócios; na denominação: palavra indicativa da atividade).

    2.2. AS ESPÉCIES DE NOME EMPRESARIAL

    O art. 1.155 enuncia que o nome empresarial poderá ser da espécie firma ou denominação. De pronto, ressalte-se que o empresário individual somente pode adotar firma (art. 1.156), a sociedade empresária limitada (art. 1.158) pode constituir-se sob firma ou denominação, a sociedade anônima (art. 1.160) somente denominação e, finalmente, a EIRELI (§ 1º, do art. 980-A, do CC/02) poderá utilizar firma ou denominação.

    FIRMA

    Historicamente, a firma sempre coube ao comerciante individual (hoje empresário individual) e às sociedades que possuíam sócios de responsabilidade ilimitada, a fim de que se soubesse, de antemão, os que respondiam subsidiária e ilimitadamente pelas obrigações sociais.

    A partir da sociedade limitada, essa regra restou temperada.

    Didaticamente, tem-se a firma individual, do empresário individual, e a firma social ou razão social, de algumas sociedades e da EIRELI.

    O empresário somente pode constituir-se sob firma (art. 1.156). A firma individual é formada com o próprio nome do empresário, abreviado ou por extenso, vedada a abreviação do nome de família. Admite-se a inclusão de palavra que melhor lhe individualize. Hoje, é comum a adição ao nome civil do CPF, a fim de alcançar-se a teleologia da norma, evitando-se, ao demais, o ferimento do princípio da novidade (em razão de homônimos). Exemplo: José Afonso da Silva – 111.134.225-55 (com ou sem ponto!).

    As sociedades que adotam firma social utilizarão para a sua conformação o nome dos sócios. Exemplo: a sociedade formada por José Reis, Antônio Álvares e Fernando Botelho.

    Conforme dispõe o art. 1.157, o nome empresarial pode ser formado assim: (i) José Reis, Antônio Álvares e Fernando Botelho; ou (ii) José Reis e cia.

    O problema da firma social é que é da essência das sociedades a entrada e saída de sócios. Logo, se se adotar firma, a todo o momento deverá ser alterado o nome, em atenção ao princípio da veracidade.

    Assim, as sociedades que têm a faculdade de escolher firma ou denominação devem preferir esta última. É o caso da limitada, a qual responde por mais de 97% das sociedades constituídas.

    Na EIRELI, a firma é formada pelo nome da pessoa que a constitui, acrescida da expressão “EIRELI” ao final. Exemplo: João Ferreira da Silva – EIRELI.

    DENOMINAÇÃO

    A denominação é outra espécie de nome empresarial. Utilizam-na, principalmente, a limitada, a S/A e a EIRELI.

    Pelo princípio da veracidade, a denominação deve contemplar uma palavra ou expressão designativa da atividade explorada e é formada a partir da seguinte equação: PALAVRA FANTASIA + ATIVIDADE + LTDA./S.A./EIRELI.

    Exemplos: (1) Panificadora Pão de Mel Ltda.; (2) Banco do Brasil S/A; e (3) Construtora Eficaz EIRELI.

    Importantíssimo anotar, a teor da norma do § 2º, do art. 1.158, do CC/02, que na limitada admite-se a inclusão, na denominação, do nome de um ou mais sócios. Exemplo: Lanchonete João Gomes Ltda.

    CONCLUSÃO

    A atividade empresarial é destacada no mercado através de vários sinais distintivos. Cada um desses sinais individualiza um elemento da empresa. O sujeito é individualizado pelo nome empresarial. O local pelo nome fantasia ou título de estabelecimento. O produto ou serviço por meio da marca.

    Não se desconhece a importância econômica da proteção a esses signos, como mecanismo de incentivo à atividade econômica. Cada qual com seu regime jurídico.

    O nome empresarial é o sinal que identifica quem explora a empresa. É a pessoa física ou jurídica que explora a atividade econômica organizada. São espécies a firma e a denominação.

    A razão social, embora seja a locução usada no dia-a-dia, não tem assento na lei.

    Os princípios norteadores – novidade e veracidade – permitem o atingimento da finalidade legal, atraindo para o empresário honesto e trabalhador boa fama, reconhecimento e distinção no competitivo ambiente empresarial.

    Fonte : Jus

  • Sucessão empresarial inter vivos

    Sucessão empresarial inter vivos

    A sucessão empresarial inter vivos é a transferência de propriedade do estabelecimento comercial, através de particular contrato de compra e venda, denominado trespasse, ou pela cessão de quotas de sociedade limitada, ocorrida entre empresários vivos e habilitados ao exercício da atividade empresária.
    O objetivo deste capítulo consiste em identificar aspectos fundamentais da sucessão empresarial, sua evolução, conceituação e formas de ocorrência no ordenamento jurídico brasileiro.

    3.1 Evolução histórica da sucessão empresarial

    O direito de diversos países preocupa-se em disciplinar a alienação do estabelecimento empresarial, com a finalidade precípua de tutelar os interesses dos credores (COELHO, 2010).
    Na Alemanha, o Handelsgesetzbuch, de 1897, contempla regra que importa responsabilidade ao adquirente do estabelecimento empresarial pelas obrigações do alienante, quando mantido o nome empresarial. Por sua vez, o direito francês, desde 1909, admite que os credores do alienante se oponham à venda do estabelecimento (COELHO, 2010).

    De forma diversa, na Argentina, desde 1934, a lei não admite que o preço de venda do estabelecimento seja inferior ao total do passivo do alienante, sendo que o pagamento não pode ser realizado senão depois de transcorridos dez dias da publicação do anúncio de venda. Por fim, o direito italiano define que o adquirente se sub-roga em todas as obrigações ativas e passivas do alienante, salvo as de caráter pessoal e as expressamente ressalvadas no contrato (COELHO, 2010).
    No Brasil, até a entrada em vigor do Código Civil, considerava-se que o passivo não integrava o estabelecimento comercial. Dessa forma, como consequência, a regra vigente era a de que o adquirente não se tornava sucessor do alienante, ou seja, os credores de um empresário não podiam, em princípio, pretender o recebimento de seus créditos de outro empresário que não o devedor originário (COELHO, 2010).
    Ademais, de acordo com os ensinamentos do mesmo autor (2010, p.118), a partir da entrada em vigor do Código Civil brasileiro, ressalta-se o seguinte:
    Altera-se por completo o tratamento da matéria: o adquirente do estabelecimento empresário responde por todas as obrigações relacionadas ao negócio explorado naquele local, desde que regularmente contabilizadas, e cessa a responsabilidade do alienante por estas obrigações no prazo de um ano (art. 1.146).
    A sucessão empresarial promovida pelo contrato de trespasse foi uma praxe constante durante a Primeira Grande Guerra, circunstância essa que levou o legislador peninsular a dispor sobre a alienação do estabelecimento comercial no Codice Civile de 1942, principalmente no tocante a suas implicações obrigacionais (FÉRES, 2007).
    Na França, antes mesmo da Primeira Grande Guerra, já havia uma sistemática específica para a alienação do fundo de comércio. A Alemanha já se ocupa a muito tempo do tema no bojo do HGB (FÉRES, 2007).
    Não obstante, além desses ordenamentos supra referidos, o argentino e o italiano, igualmente, tratam de normas a respeito do negócio translativo incidente sobre o estabelecimento comercial (FÉRES, 2007).

    3.2 Conceituação de sucessão empresarial

    Primeiramente, impositivo promover o estudo morfológico do termo sucessão. Esse assume diversos significados na língua portuguesa, entre os quais podem ser assinalados: sucedimento, substituição, colocar algo ou alguém no lugar de outro, dentre outros (FÉRES, 2007).
    Em um conceito jurídico, a sucessão nada mais é do que o fenômeno de substituição de um sujeito da relação jurídica por outro, permanecendo vivo o negócio para operar seus efeitos diante do novo sujeito. Logo, a sucessão no campo do direito significa a transmissão de direitos e obrigações de uma à outra pessoa (FÉRES, 2007).
    Ademais, quanto às espécies de sucessão, essas são classificadas em causa mortis e inter vivos (FÉRES, 2007). Consoante já referido na introdução a este capítulo, a presente pesquisa abordará apenas a sucessão inter vivos.
    A sucessão inter vivos tem lugar em fato distinto da morte. Ela ocorre quando os sujeitos, no exercício de sua autonomia privada, circulam suas posições jurídicas, consubstanciada, na maioria das vezes, por um ato negocial – um contrato (FÉRES, 2007).
    Quanto à quantidade de posições jurídicas que se transfere, a sucessão pode ser universal ou singular. Transmitindo-se todo o patrimônio de um sujeito a outro, tem-se a chamada sucessão universal. Diferentemente, em havendo a transferência apenas de parcela desse complexo, diversa de sua totalidade, dá-se a sucessão singular (FÉRES, 2007).
    Importante referir que algumas operações societárias geram sucessão universal, a exemplo da fusão e da incorporação, casos em que a sociedade resultante da medida sucede as originárias em todos os direitos e obrigações (FÉRES, 2007).
    Quanto à sucessão empresarial, essa se caracteriza pela alienação do estabelecimento comercial. “Transmite-se a propriedade do fundo de comércio, com todos os seus elementos, por simples instrumento particular ou público” (REQUIÃO, 2007, p. 286).
    A alienação do estabelecimento comercial pelo empresário que o titulariza ocorre através do contrato de compra e venda denominado trespasse, que não pode ser confundido com a cessão de quotas de sociedade limitada(COELHO, 2010), conforme se abordará no tópico a seguir de forma mais detalhada.
    Nosso Código Civil, especificamente em seu artigo 1.146, trata acerca da sucessão empresarial, estabelecendo que:
    Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuado o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
    Conclui-se que o adquirente do estabelecimento empresarial responde pelas dívidas existentes, contraídas pelo alienante, desde que regularmente contabilizadas, isto é, constantes da escrituração regular do alienante, pois que foram essas as dívidas de que o adquirente teve conhecimento quando da efetivação do negócio jurídico (RAMOS, 2009).
    Em que pese o adquirente assuma essas dívidas contabilizadas, o alienante fica solidariamente responsável por ela durante o período de um ano. Tal prazo, contudo, será contado de maneiras distintas a depender do vencimento da dívida em questão. Sendo dívida já vencida, o prazo é contado a partir da publicação do contrato de trespasse. Em sendo dívida vincenda, o prazo é a contar do dia de seu vencimento (RAMOS, 2009).
    A sistemática da sucessão obrigacional prevista na disposição civilista acima transcrita é aplicável unicamente às dívidas negociais do empresário, decorrentes das suas relações travadas em conseqüência do exercício da empresa. Por consequência, nos casos de dívidas de natureza tributária ou trabalhista, não se aplica o disposto em tal artigo, uma vez que a sucessão tributária e a sucessão trabalhista possuem regimes jurídicos próprios, previstos em legislação específica, como é o caso do artigo 133 do Código Tributário Nacional e do artigo 448 da Consolidação das Leis do Trabalho (RAMOS, 2009).
    Essa sistemática, mormente os efeitos obrigacionais, só se aplica “quando o conjunto de bens transferidos importar a transmissão da funcionalidade do estabelecimento empresarial (enunciado nº 233 do CJF)” (RAMOS, 2009, p. 110). Adverte, ainda, o autor que tal observação é extremamente importante, uma vez que a natureza jurídica da universalidade de fato do estabelecimento empresarial muitas vezes dificulta a identificação de quando há ou não o trespasse.
    Em continuidade, o autor leciona que (2009, p. 110):
    Na justificativa ao enunciado em questão, explicou o seu autor: (…) não se pode olvidar que o estabelecimento é caracterizado por sua funcionalidade. Portanto, para falar em trespasse de estabelecimento, é necessário que haja a transferência de elementos suficientes à preservação de sua funcionalidade como tal, ou seja, a universalidade adquirida deve ser idônea a operar como estabelecimento, ainda que tenha decotado algum de seus elementos originais.
    Diante de tal exigência, pois, para a caracterização do trespasse e conseqüente produção dos seus efeitos jurídicos, sobretudo obrigacionais, verifica-se que a transmissão da funcionalidade do estabelecimento como tal configura um relevante critério objetivo que ajuda a identificar precisamente a situação em que realmente se consubstancia o contrato de trespasse (RAMOS, 2009).
    Por fim, Ramos (2009, p. 111) ressalta que a nova legislação falimentar (Lei nº 11.101/05) trouxe uma importante novidade relacionada diretamente com a matéria em análise, particularmente em seu artigo 141, caput e inciso II, que assim preconiza:
    Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este artigo:
    […]
    II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
    Mencionada lei, que trata, também, da Recuperação de Empresas, trouxe essa disposição normativa com a intenção de tornar mais atrativa a aquisição de estabelecimentos empresariais de empresários ou sociedadesempresárias que se encontrem em processo de falência (RAMOS, 2009).
    Em seguimento ao tema, no item subsequente, apresentar-se-ão as hipóteses em que sobrevém a ora estudada sucessão de empresas.

    3.3 Formas de ocorrência da sucessão empresarial

    Antes de abordarmos a questão que trata das formas de sucessão empresarial, faz-se necessário conceituarmos estabelecimento empresarial, bem como sua natureza jurídica.
    Maria Gabriela Venturoti Perrota Rios Gonçalves (2011, p. 39, grifo da autora), reproduzindo as disposições do artigo 1.142 do estatuto civil, ensina que “estabelecimento é o ‘complexo de bens organizado, para exercício da empresa, por empresário, ou por sociedade empresária’”.
    Refere que o estabelecimento consagra a reunião, de forma organizada, de todos os instrumentos voltados para o desenvolvimento da atividade empresarial e obtenção de lucro, abrangendo, assim, nesse conceito, os bens corpóreos móveis e imóveis, e, também, os incorpóreos.
    Segundo Fábio Ulhoa Coelho (2011, p. 77), estabelecimento empresarial é “o complexo de bens reunidos pelo empresário para o desenvolvimento de sua atividade econômica”.
    Destarte, o autor segue dizendo que:
    Quando o empresário reúne bens de variada natureza, como as mercadorias, máquinas, instalações, tecnologia, prédio, etc., em função do exercício de uma atividade, ele agrega a esse conjunto de bens uma organização racional que importará em aumento do seu valor enquanto continuarem reunidos (2011, p. 77).
    Ainda, cita que “alguns autores usam a expressão ‘aviamento’ para se referir a esse valor acrescido” (2011, p. 78, grifo do autor).
    No tocante ao aviamento, esse constitui um atributo do próprio estabelecimento, não da empresa, podendo ser considerado o sobrevalor que se confere ao estabelecimento bem organizado (FÉRES, 2007).
    Nesta seara, Fabio Ulhoa Coelho (2011, p. 78) traz à baila que:
    Devido à intangibilidade dessa organização racional que o empresário introduz na utilização dos bens integrantes do estabelecimento empresarial, e tendo em vista que ela tem valor de mercado, o direito necessita desenvolver mecanismos para tutela desse plus e do valor que ele representa. (grifo do autor)
    O doutrinador, ainda, dá continuidade ao seu ensinamento:
    Cada bem, isoladamente, possui uma proteção jurídica específica (como, por exemplo, os interditos possessórios ou a responsabilização civil e penal por dano patrimonial etc.); o estabelecimento empresarial, essa disposição racional dos bens em vista do exercício da atividade econômica, por sua vez, necessita de uma forma própria de proteção. O direito, assim, em geral, deve garantir a justa retribuição ao empresário quando este, por culpa que não lhe seja imputável, perde o valor representado pelo estabelecimento empresarial (COELHO, 2011, p. 78).
    Reafirmando esse entendimento, Marcelo Andrade Féres (2007, p. 25) leciona que: “O Código Civil de 2002, seguindo a experiência italiana, optou por conceituar o estabelecimento considerando-o todo o complexo de bens organizado para o exercício da empresa”. Nesse prisma, Féres certifica que, apesar de não existir uma enumeração dos elementos que o constitui, a doutrina costuma arrolá-los e até mesmo classificá-los.
    Além de outros elementos, podem figurar no estabelecimento as mercadorias, o mobiliário ou as instalações, o nome empresarial, as invenções, os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as marcas, os imóveis, o ponto empresarial e os nomes de domínio. Em síntese, concorrem para a composição do estabelecimento bens corpóreos e incorpóreos, móveis e imóveis, sem qualquer restrição prévia, dependendo, apenas, da sorte da empresa a que se destinam (FÉRES, 2007).
    Fábio Ulhoa Coelho (2011) refere, igualmente, que, quanto à composição do estabelecimento empresarial, integra essa os bens corpóreos, tais como as mercadorias, as instalações, os equipamentos, os utensílios, os veículos, bem como os incorpóreos, consistentes nas marcas, patentes, direitos, ponto, dentre outros.
    Nas palavras do mesmo autor (2011, p. 79-80):
    O direito civil e o penal compreendem normas pertinentes à proteção dos bens corpóreos (proteção possessória, responsabilidade civil, crime de dano, roubo etc.); o direito industrial tutela a propriedade da marca, invenções etc.; já a Lei de Locações protege o ponto explorado pelo empresário; a proteção do nome empresarial tem o seu estatuto próprio, e assim por diante; cada elemento do estabelecimento empresarial tem a sua proteção jurídica específica. O direito comercial, enquanto conjunto de conhecimentos jurídicos, tradicionalmente se preocupou com a abordagem apenas da tutela dos bens incorpóreos do estabelecimento empresarial, uma vez que do regime dos corpóreos costumam cuidar outros ramos do saber jurídico (direito das coisas e direito penal).
    No tocante à alienação do estabelecimento empresarial, Coelho (2010) refere que, em razão de o mesmo integrar o patrimônio do empresário, é também a garantia dos seus credores. Dessa forma, a alienação do estabelecimento empresarial está sujeita à observância de cautelas específicas, as quais a lei criou com vistas à tutela dos interesses dos credores, conforme se discorrerá a partir deste momento.

    3.3.1 O contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial – trespasse

    Inicialmente, o contrato de alienação deve ser celebrado por escrito para que possa ser arquivado na Junta Comercial e publicado na imprensa oficial, segundo disposição do artigo 1.144 do Código Civil. Enquanto não cumpridas essas formalidades, a alienação do estabelecimento empresarial não produzirá efeitos perante terceiros (COELHO, 2010).
    O empresário tem sobre o estabelecimento empresarial a mesma livre disponibilidade que tem sobre os demais bens de seu acervo patrimonial. Entretanto, a lei sujeita a alienação do estabelecimento empresarial à anuência dos seus credores, que poderá ser expressa ou tácita. Essa última configura-se pelo silêncio do credor após 30 dias a contar da notificação da alienação, a qual o devedor deve endereçar àquele, nos termos do artigo 1.145 do Código Civil (COELHO, 2010).
    Todo empresário que alienar seu estabelecimento empresarial deve colher a concordância, por escrito, de seus credores, ou fazer uma notificação a eles, pois somente em uma única hipótese está dispensado da observância dessa cautela, que é no caso de restarem, em seu patrimônio, bens suficientes para solvência do passivo (COELHO, 2010).
    Em caso de inobservância de tais cautelas, poderá o empresário ter sua falência decretada – forte no artigo 94, inciso III, alínea “c”, da Lei de Falências – e, vindo a falir, será considerada ineficaz a alienação perante a massa falida – com base no artigo 129, inciso VI, também da Lei Falimentar – podendo o estabelecimento empresarial ser reivindicado das mãos de seu adquirente. Assim, em regra, a anuência dos credores em relação à alienação do estabelecimento empresarial é cautela que interessa mais ao adquirente que propriamente ao alienante (COELHO, 2010).
    Em relação ao passivo regularmente escriturado do alienante, em dissonância com os princípios de que se valeu o legislador para criar a obrigação da anuência dos credores para a eficácia do ato, o mesmo é transferido ao adquirente do estabelecimento empresarial. O alienante, conforme já mencionado anteriormente, continua responsável por esse passivo durante o prazo de um ano, contado da publicação do contrato de alienação, quanto às obrigações vencidas antes do negócio, e, da data de vencimento, quanto às demais (COELHO, 2010).
    Havendo a transferência do estabelecimento, o adquirente será sucessor do alienante, podendo os credores demandar igualmente àquele para cobrança de seus créditos (COELHO, 2010).
    As partes do contrato de alienação de estabelecimento podem pactuar que o alienante ressarcirá o adquirente, por uma ou mais obrigações, especialmente as que se encontram sub judice, sendo que entre eles prevalecerá, ainda que numa etapa regressiva, exatamente o que contrataram. A cláusula de não transferência de passivo não libera o adquirente, que poderá ser demandado pelo credor, cabendo-lhe, assim, o direito de regresso em desfavor do alienante (COELHO, 2010).
    Já o credor do alienante somente perde o direito de cobrar crédito do adquirente do estabelecimento se renunciou expressamente ao direito quando anuiu com o contrato. Mas, uma vez pagando a terceiro por obrigação que, em razão do contrato firmado com o alienante, não lhe cabia suportar, o adquirente tem direito de ser ressarcido com base na cláusula de não transferência de passivo (COELHO, 2010).
    O credor trabalhista do alienante do estabelecimento empresarial detém proteção especial. Isso, pois, conforme previsão contida no artigo 448 da Consolidação das Leis do Trabalho – que consagra a imunidade dos contratos de trabalho em face da mudança da propriedade ou estrutura jurídica da empresa –, o empregado pode demandar o adquirente ou o alienante, indiferentemente (COELHO, 2010). Assim, enquanto não prescrito o direito trabalhista, o alienante responde, mesmo que já vencido o prazo ânuo do Código Civil.
    Igualmente, o credor tributário está sujeito a condições específicas, na hipótese de venda do estabelecimento empresarial. De acordo com o previsto no artigo 133 do Código Tributário Nacional, o adquirente tem responsabilidade subsidiária ou integral pelas obrigações fiscais do alienante, caso esse continue ou não a explorar a atividade econômica (COELHO, 2010).
    Não responde o adquirente, contudo, pelas obrigações do alienante, inclusive as de natureza trabalhista e fiscal, se adquiriu o estabelecimento empresarial mediante lance dado em leilão judicial promovido em processo de recuperação judicial ou falência, nos termos do artigo 60, parágrafo único, e artigo 14, inciso II, da Lei de Falências (COELHO, 2010).
    Nesse caso em particular, o adquirente não é considerado sucessor do antigo titular do estabelecimento empresarial. Essa regra, que ressalva a responsabilidade do adquirente, é prevista em lei não apenas como forma de atrair o interesse de eventuais licitantes no leilão, mas principalmente para proporcionar o mais elevado pagamento por esse ativo do devedor em recuperação ou falido. Ao final, tendo em vista tais objetivos, os credores acabam por ser beneficiados pela regra da exclusão de responsabilidade do adquirente (COELHO, 2010).
    Importante ressaltar a cláusula de não restabelecimento, visto que tal cláusula é implícita em qualquer contrato de alienação de estabelecimento empresarial. Com base nela, o alienante, nos cinco anos subsequentes à transferência, não poderá restabelecer-se em igual ramo de atividade empresarial, evitando-se, assim, a concorrência com o adquirente, salvo em caso de expressa autorização em contrato (COELHO, 2010).
    Em consonância com o exposto até então, verifica-se que a sucessão empresarial configura-se de duas formas: com a alienação do estabelecimento comercial pelo empresário que o titulariza (o alienante) para outro empresário (o adquirente), através do contrato de trespasse, ou através da cessão de quotas sociais de sociedade limitada (COELHO, 2010).
    Ao diferenciar o trespasse do estabelecimento comercial da cessão de quotas sociais de sociedade limitada ou da alienação de controle de sociedade anônima, Marcelo Andrade Féres (2007) preleciona que, no trespasse, o estabelecimento empresarial deixa de integrar o patrimônio de um empresário, passando para o de outro, sendo que o objeto da venda é o complexo de bens envolvidos com a exploração da atividade empresarial. Já, de outra banda, na cessão de quotas ou na alienação de controle, o objeto da venda é a participação societária.
    Na cessão de quotas sociais de sociedade limitada, o estabelecimento empresarial não muda de titular. Tanto antes quanto após a transação, ele pertencia e continua a pertencer à sociedade empresária. Essa, entretanto, tem sua estrutura societária alterada, eis que o objeto da venda é a participação societária (COELHO, 2010).
    Consoante já aludido, no contrato de compra e venda do estabelecimento empresarial, o trespasse – objeto de estudo no presente capítulo – o estabelecimento deixa de integrar o patrimônio de um empresário (o alienante) e passa para o de outro (o adquirente), sendo que o objeto da venda é o complexo de bens corpóreos e incorpóreos, envolvidos com a exploração de uma atividade empresarial (COELHO, 2010).
    Novamente, Marcelo Andrade Féres (2007) ensina que o empresário procede à alienação onerosa de seu estabelecimento, seja por vivenciar dificuldades econômicas, seja por mera especulação, por intermédio do contrato de trespasse.
    Ainda que o estabelecimento empresarial não compreenda as relações obrigacionais do seu titular, mas somente o complexo de bens, sejam eles materiais ou não, que ele organiza para o exercício de sua atividade, isso não significa que o Código Civil não tenha se preocupado com os efeitos obrigacionais decorrentes das negociações que envolvam o estabelecimento (RAMOS, 2009).
    Essencialmente, o Código Civil dispõe, em seu artigo 1.143, que: “Pode o estabelecimento ser objeto unitário de direitos e de negócios jurídicas, translativos ou constitutivos, que sejam compatíveis com a sua natureza”. Verifica-se, assim, a possibilidade de o estabelecimento ser negociado como um todo unitário, ou seja, como universalidade de fato que é.
    É sabido que o estabelecimento pode ser objeto de negociação singular, conforme permissivo do artigo 90, parágrafo único, do Código Civil. Entretanto, interessa, no ponto, a análise da negociação do estabelecimento de forma unitária, quando estaremos diante do chamado trespasse (RAMOS, 2009).
    André Luiz Santa Cruz Ramos (2009, p. 108) leciona, ainda, que:
    De acordo com o disposto no art. 1.144 do CC, o contrato que tenha por objeto a alienação, o usufruto ou arrendamento do estabelecimento, só produzirá efeitos quanto a terceiros depois de averbado à margem da inscrição do empresário, ou da sociedade empresária, no Registro Público de Empresas Mercantis, e de publicado na imprensa oficial. Vê-se, pois, que é condição de eficácia perante terceiros o registro do contrato de trespasse na Junta Comercial e a sua posterior publicação.
    Sobre a questão, Fábio Ulhoa Coelho (2010) complementa que o contrato de trespasse deve ser levado para registro na Junta Comercial e publicado na imprensa oficial, conforme disposição do artigo 1.144 do Código Civil. Além dessas formalidades, se não restarem bens suficientes ao alienante para solver o passivo relacionado ao estabelecimento vendido, a eficácia do contrato ficará condicionada ao pagamento de todos os credores ou da anuência destes, que pode ser feita de forma expressa ou tácita. Reitera-se que o alienante apenas está dispensado da precaução na hipótese em que permanece solvente mesmo após a alienação.
    Segundo Coelho (2010, p. 119), no tocante ao tema:
    O direito brasileiro estabelece uma determinada formalidade, prévia ou concomitante ao trespasse, que é a anuência expressa ou tácita dos credores, dispensando-a apenas no caso de solvência do alienante, posterior à transação. Se tal formalidade não é cumprida, a consequência será altamente prejudicial ao adquirente, pois ele poderá perder o estabelecimento, em favor da coletividade de credores, caso o alienante venha a ter sua falência decretada (LF, art. 129, VI). É ineficaz, perante a massa falida, a venda do estabelecimento empresarial realizada sem as precauções acima. O adquirente, que não se acautela no sentido de exigir do alienante a prova da anuência dos credores ou da sua solvência, perde, em favor da massa falida, o estabelecimento empresarial que houvera comprado.
    Não obstante, o CC dispõe, no seu artigo 1.145, que:
    Art. 1.145. Se ao alienante não restarem bens suficientes para solver o seu passivo, a eficácia da alienação do estabelecimento depende do pagamento de todos os credores, ou do consentimento destes, de modo expresso ou tácito, em 30 (trinta) dias a partir de sua notificação.
    Dessa forma, o empresário que quer vender seu estabelecimento empresarial deve ter uma cautela importante, qual seja, ou conserva bens suficientes para pagar todas as suas dívidas frente aos seus credores, ou deverá obter o consentimento desses, o qual poderá ser expresso ou tácito. Com efeito, caso não guarde em seu patrimônio bens suficientes para saldar suas dívidas, o empresário deverá notificar seus credores para que se manifestem em 30 dias acerca da sua intenção de alienar o estabelecimento. Transcorrido o prazo sem manifestação, o consentimento dos credores será tácito, e a venda poderá ser realizada (RAMOS, 2009).
    A observância da condição acima referida, prevista no artigo 1.145 do CC, é deveras importante, uma vez que a legislação falimentar (Lei nº 11.101/05) prevê que a alienação irregular do estabelecimento como ato de falência (artigo 94, inciso III, alínea “c”) – ou seja, o trespasse irregular – pode ensejar o pedido e a decretação da quebra do empresário (RAMOS, 2009).
    Nesse sentido, Fabio Ulhoa Coelho (2010, p. 119) ressalta que “para evitar a ineficácia do trespasse, bem como para administrar diretamente os passivos de algum modo ligados ao estabelecimento que passa a assumir, o adquirente costuma contratar com o alienante a assunção de todas as obrigações”.
    Conforme brevemente referido acima, a contabilização regular da dívida para fins de responsabilização do adquirente do estabelecimento empresarial não se exige em relação ao passivo de duas ordens: trabalhista e tributário (COELHO, 2010), conforme se demonstrará na sequência.
    De acordo com o artigo 448 da CLT, as mudanças na propriedade da empresa não afetam os contratos de trabalho, mas, sim, concedem ao empregado duas opções: demandar o antigo proprietário do estabelecimento empresarial em que trabalhava ou o atual. Em qualquer das hipóteses, não poderá o empresário reclamado, em contestação, opor-se à pretensão do empregado com base nos termos do contrato de trespasse (COELHO, 2010).
    Em relação ao passivo fiscal, devem ser assinaladas duas situações, nos termos do artigo 133 do CTN: se o alienante deixa de explorar qualquer atividade econômica, ou se continua a exploração de alguma atividade nos seis meses seguintes à alienação. No primeiro caso, a responsabilidade do adquirente é direta, e pode o fisco cobrar dele todas as dívidas tributárias do alienante, originadas da atividade desenvolvida no local do estabelecimento. No segundo caso, o adquirente responde de forma subsidiária, ou seja, no caso de falência ou insolvência do alienante (COELHO, 2010).
    Registre-se que a sucessão tributária somente se caracteriza, em qualquer caso, se o adquirente continuar explorando no mesmo local idêntica atividade econômica do alienante. Em caso de alteração do ramo de atividade do estabelecimento, aquele não responde mais pelas dívidas fiscais do alienante (COELHO, 2010).
    Assim sendo, termina-se o presente capítulo concluindo pela expressiva repercussão da distinção jurídica entre os institutos acima analisados – a compra e venda do estabelecimento empresarial e a cessão de quotas de capital –, conforme corrobora Coelho (2010), principalmente no que importa à sucessão empresarial, que pode ou não existir no trespasse, mas que, efetivamente, não existe na transferência de participação societária.

  • Cisão empresarial

    Cisão empresarial

    Esse paper tem como objetivo o estudo de uma das mais conhecidas formas de reorganização societária denominada “cisão”.

    A cisão tem como finalidade básica a separação do patrimônio de uma empresa para melhorar o foco do negocio. É uma espécie de mutação usada em casos quando os sócios não têm mais interesses de trabalharem juntos. A cisão societária implica na transformação da formação societária, assim como na estrutura jurídica. Assim sendo, os aspectos a serem observados mais relevantes são as operações patrimoniais enviados a outra sociedade sem que haja prejuízos tanto para os sócios quanto para os terceiros afetados direta ou indiretamente.

    PALAVRA CHAVE: reorganização societária; cisão;

    Abstract

    This paper aims to study one of the most popular forms of corporate reorganization called ” spin-off ” .

    The split has the basic purpose of the separation of the equity of a company to improve the focus of the business. It is a kind of mutation used in cases where the partners have no interests to work together . The corporate split implies the transformation of the corporate training as well as the legal framework . Therefore, the aspects to be observed more relevant are the balance-sheet items sent to another company without losses for both the partners and to third parties directly or indirectly affected.

    KEYWORD: corporate reorganization ; split;

    CISÃO EMPRESARIAL

    INTRODUÇÃO

    As sociedades empresarias, muita das vezes, necessitam de uma reorganização através de alguns institutos que permitem que o patrimônio seja transferido ou mantido em uma sociedade empresarial, como nota-se quando há as operações societárias mais comuns, como exemplo, a transformação, que é a mudança no tipo de sociedade, a incorporação que é quando uma sociedade é absorvida por outra, e a fusão que é a união de duas ou mais sociedades para formação de uma nova.

    Nota-se ainda a presença de outro instituto o qual será objeto deste estudo: A Cisão. É este um instituto que pode variar da mais simples à mais complexa mudança, pode algumas vezes envolver grandes e pequenos valores na mudança.

    A cisão foi criada pela lei francesa de 1966 a qual se regulou, no entanto, no Estado brasileiro para ela ganhar seu teor de normatividade e/ou funcionalidade, está pendente de regularização, complementação da lei do imposto de Renda.

    A competitividade de mercado nos dias atuais tem concorrido para tal instituto mais visibilidade e ultilização, diante de tamanha competitividade e concorrência se tornaram uma obrigação importante, visto que, a revolução de mercado vem tornando tal ato mais frequente, à  medida que as empresas vão crescendo vão sendo vencidas pela velocidade da revolução do mercado que cada dia mais crescer.

    Sendo assim, com o aumento do mercado as empresas vêm adotando medidas que possibilitam também um crescimento interno.  Nos últimos anos a cisão tem tido uma movimentação mais frequente e é vista como uma forma de controlar seu funcionamento interno e atuar competitivamente em um mercado mais equilibrado.

    DESENVOLVIMENTO

    Cabe ressaltar, que o direito traz preceitos legais que autoriza o processo de operações de crédito, que dentro dele a cisão se destaca como sendo uma das menos positivadas, contudo, a atuação no mercado vem crescendo com cada vez com mais frequencia, apesar de ser um instituto que ajusta o interesse dos sócios, divide patrimônio a legislação que fundamenta a reorganização das sociedades é a lei 6.404/76 chamada de Lei das Sociedades Anônimas e o Código Civil que faz menção a cisão em um único artigo, quando se relaciona sobre os direitos dos credores, o art. 1.122 do CC.

    • RAZÕES DE ORGANIZÃO DE UMA SOCIEDADE

    São varias as razões pelas quais uma sociedade se reorganiza, na qual podemos destacar um planejamento tributário, como a alienação de controle da sociedade, abreviar o mercado, separar os sócios, obter combinação de recurso e demais coisas.

    Pode-se também destacar como sendo motivos básicos para ocorrer o processo da cisão: quando sócios de uma determinada sociedade não tem mais interesse de trabalharem juntos ou em algumas situações que recomendam a separação de atividades para melhoria do foco do negocio ou ainda para resolver conflitos entre os sócios, que permite que seu patrimônio seja separado, onde ocorre a transferência do capital de uma determinada empresa para outra que acontece da forma seguinte:

    Primeiramente, haverá de ter uma decisão dos sócios, de acordo com o que estabelece o estatuto ou contrato, logo após essa decisão deverá constar em ata de assembleia geral ou no termo aditivo de alteração contratual. Segundo, a empresa com a qual deseja ser cindida deverá deixar todos os seus registros contabéis à disposição, para eventual auditoria, pois se houver irregularidades em alguma de suas demonstrações contabéis, está será grande influenciadora do valor  de cada empresa. Pois, caso não haja a devida regularização, a empresa que adquire o capital compromete-se nos direitos e obrigações na medida da parcela que adquire.

    A fase conclusiva da cisão, dár-se por meio de um protocolo, no qual é apreciado em assembleia geral.

    • PROTOCOLO

    O protocolo como destacado no art. 224 da lei 6.404/76, deverá passar por um processo de votação entre as sociedades interessadas sem preferência dos acionistas mais antigos.

    Ao analisar os valores os peritos detectarem irregularidades ou valores diferentes dos alegados anteriormente à sociedade tem todo o direito de se recusar a realizar tal negociação sendo que os valores só serão pagos se efetivar o negocio, o sócio não poderá abandonar a sociedade durante o período que a operação tiver em andamento.

    O código civil no seu art. 1.120 paragrafo 3º reza que o sócio que não faça parte da sociedade não deverá votar nos laudos da avaliação do patrimônio.

    Ao falar dos credores no código civil, diz este que até 90 dias após a publicação da reorganização societária poderá pedir a anulação do ato através de uma ação judicial. Se houver falência o credor poderá também pleitear a separação do patrimônio dentro de 90 dias.

    Nas sociedades anônimas o prazo é de 60 dias, pois se trata de legislação especial, onde não adota o prazo do código civil.

    A cisão empresarial pode-se dividir em dois tipos: Cisão total e a cisão parcial.

    •  CISÃO TOTAL

    É quando o capital de uma sociedade é dividido entre duas ou mais empresas onde por sua vez esta adquire o capital e junto com este assumem todas as obrigações e todos os direitos da empresa cindida, recebe o nome de cisão total.

    O caput do art. 234 da lei 6.404/ 76 destaca essa obrigação.

    “Art. 234. A certidão, passada pelo registro do convenio da incorporação, fusão ou cisão é documento hábil para duração, nos registros públicos competentes da sucessão decorrente da operação em bens direitos e obrigações.”

    Nessa descrição do artigo nota-se uma preocupação em resguardar os direitos dos credores que por sua vez, podem sofrer em algum prejuízo no processo de reorganização societária, contudo, ainda assim a lei admite que a sociedade cindida seja solidária quanto aos credores decorrentes de eventuais créditos.

    • CISÃO PARCIAL

    É o processo onde apenas uma parte do patrimônio é transferida para outras empresas e recebe o nome de cisão parcial, sendo que a empresa que absolve o patrimônio se responsabiliza pela parte que absolveu, lembrando ainda que a empresa pode ser criada única e exclusiva para este fim, neste caso estamos diante de uma forma de cisão denominada pura, processos como tal serão sempre regulados pela Lei das Sociedades Anônimas  nº 6.404/76.

    Importante destacar que as empresas que adquirem apenas uma parcela do capital, poderão ter apenas as obrigações como responsabilidade sem o vinculo de solidariedade entre si se assim for estipulado no ato da cisão, conforme art. 233 da lei das S/A.

    • O ATO DE CISÃO DEVERÁ SER REGISTRADO NAS JUNTAS COMERCIAIS

    Por se tratar de uma transformação, os bens de propriedade da sociedade deverão obedecer todas as formalidades necessárias como o registro de fato, somente a averbação não é suficiente, o documento formal é a certidão feita pelo registro do comercio,

    O processo da cisão não obriga a sociedade parar de funcionar porque teve parte do seu capital transferido à outra empresa, o alvará continua o mesmo, o que de fato vai alterar são os cadastros fiscais que deverão passar por um processo de ajuste, sendo que todo o resto deverá continuar como antes para evitar prejuízo.

    • Considerações Finais

    Este breve estudo teve como principal objetivo mostrar a prática das reorganizações societárias no cotidiano empresarial, bem como demonstrar a utilidade de tal operação, com base nas doutrinas nacionais empresariais e no código civil. A cisão de empresas tem sido praticada por diferentes motivos, seja para minimizar os custos, ou para solucionar um problema entre os proprietários de um empreendimento, dentre outros.

    Sendo várias as vantagens para as empresas, caso optem pela cisão, e uma delas é a onerosidade que devido a reorganização societária se nota com menor ônus tributário. Logo, diante do exposto, a cisão da sociedade pode assumir vários aspectos, diante de sua intensidade e destino do patrimônio. Pode, diante disso, levar ou não à extinção da sociedade.

    Portanto, haja vista, a cisão tem efeitos jurídicos relevantes e deve ser observada de uma posição importante no mundo econômico, assim demonstrada neste estudo a transformação jurídica e social que uma sociedade passa, tratando-se dos efeitos à ela pertinentes. Essas sociedades podem até já existir, mas as vantagens após a reorganização, acrescendo seu patrimônio, são expressamente constituídas.

    Fonte : Jus

  • Consultoria empresarial. Como a genuinidade da pedra de toque

    Consultoria empresarial. Como a genuinidade da pedra de toque

    A consultoria existe desde os primórdios dos tempos, seja ela na vida rotineira das pessoas, seja ela em outros segmentos, como na esfera empresarial. Em remotos tempos, por exemplo, o aconselhamento aos povos nos convívios sociais era passado por àqueles considerados mais sábios, mais experientes. Tais sugestões ou conselhos assemelham-se a consultoria da atualidade.

    No cotidiano enfrentamos, por vezes, a busca por soluções corriqueiras da vida civil com o aconselhamento daqueles que detém um conhecimento mais apurado sobre determinado assunto. É assim que acontece, por exemplo, quando pedimos opinião ou ainda quando nos posicionamos sobre determinado tema. Se nos atentarmos e pensarmos, isso se dá a todo o momento. Essas são maneiras informais de se ter consultoria no dia a dia.

    No âmbito empresarial, os desafios estão cada vez maiores, sejam eles administrativos, societários ou jurídicos. De maneira formal a consultoria ingressa na vida das empresas com maior ênfase trazendo inúmeros benefícios. A análise do crescimento mercadológico, a reestruturação organizacional, identificar pontos fortes e fracos, afastar ou elidir os passivos jurídicos são bons exemplos das necessidades vividas pelas corporações. Não importa o capital social, o número de colaboradores ou a expressão do trabalho. Todas, micro, pequena, média e grandes empresas vivenciam diariamente situações com as quais devem ser tomadas decisões importantes, que muitas vezes levam ao topo ou ao declínio, pela deliberação perpetrada.

    É importante dizer que a PREVENÇÃO É A PEDRA DE TOQUE NA CONSULTORIA. Não se utiliza somente quando se tem problemas. Ou seja, é e deve ser utilizada como forma de prevenir a “doença”, indo a fundo, na causa do possível problema.

    Um consultor ou uma consultoria especializada sempre ajudará na organização e nas tomadas de decisões da corporação empresarial.

    Fonte : Jus